O SIM-BÓLICO E O DIA-BÓLICO E AS EXCELÊNCIAS QUE ESCRAVIZAM
Toda a nossa cultura, à deriva do
iluminismo, exalta o homo sapiens, o homem inteligente e sábio. Essa é a imagem
que projetamos para o mundo, porém não esqueçamos da distância entre imagem e
identidade, entre o homo-sapiens e o homo-demens.
No sim-bólico como o próprio conceito
grego symbállein evoca temos o sentido de lançar coisas de tal forma que elas
permaneçam juntas. Logo, o simbólico significa re-unir as realidades,
congregá-las a partir de diferentes pontos e fazer convergir diversas forças
num único feixe, ao passo que o dia-bólico carrega o seu antônimo, onde literalmente ao invés de re-unir se divide, se lança coisas para longe, de
forma desagregada e sem direção. Dia-bólico como se vê, é o oposto do
sim-bólico. É tudo o que desconcerta, desune, separa e opõe.
É incrível como a vida humana está
marcada pela dimensão sim-bólica e dia-bólica. Por que ao nível pessoal a vida
é feita de amizades, de amores, de solidariedades, de uniões e de
convergências. No entanto, ao mesmo tempo, é atravessada por inimizades, ódios,
impiedades, desuniões e divergências.
Na linguagem da ecologia, se
constata, por exemplo: que a natureza tem características de associação, de
interdependência, de solidariedade e de complementaridade, numa palavra,
chamada: Cosmos (harmonia e Beleza). Porém, ao mesmo tempo, se percebe
características de parasitismo, concorrência, oposição, antagonismo e
destruição cuja palavra que melhor significa essas expressões é a conhecida
pelo nome de Caos (desequilíbrio e desorganização).
Conhecendo, entretanto, um pouco de
biologia e de botânica, mal imaginamos a luta renhida que simultaneamente se
trava no reino vegetal. As plantas se sobrepõem umas às outras e lutam para
garantir seu lugar ao sol. E nessa função de ganhar espaço, promovem guerras
químicas no subsolo, com emissão de venenos, inibidores e bactérias, etc...
Edgar Morin, por exemplo nos diz que nas hortas mais bem cuidadas o rabanete chega a eliminar substâncias químicas mortais, para que o agrião não se desenvolva. Eis aí o dia-bólico da natureza. Deste modo, o que à primeira vista, era tido como cooperativo, associativo e solidário, emerge agora como concorrencial, biofágico e destruidor. A luta por espaços, estimula o dia-bólico da natureza
Então se por um lado, temos a mãe
natureza, produtora, fecunda, nutridora generosa, regeneradora inteligente,
criadora sábia de equilíbrio e de harmonia seguindo o lema: "a vida
vivifica a vida". De outro lado, temos as lutas e guerras químicas entre
as espécies com a vitória sempre permanente do mais adaptável. Para estes o
lema é: "a tua morte é a minha vida".
Eis aí o dia-bólico da natureza, o
caos, a desordem, a dissolvência das unidades.
Hoje falamos em biologia cultural com
Maturana, por exemplo:
Quando, pensamos o sim-bólico e o
dia-bólico não apenas no reino vegetal, mas no humano, percebemos que
curiosamente, os mesmos que afirmavam civilidade, racionalidade, competência e excelências
do ser humano na Europa, especialmente a partir da revolução francesa (1789),
as negavam em outros lugares quando escravizavam na África, quando assujeitavam
os indios na América Latina, quando invadiam a Ásia, deixando as marcas do
dia-bólico nas páginas da história.
Destarte, que se herdamos,
conhecimentos, saberes, experiências, como já dito no sim-bólico do principio
európico, com ele também herdamos o bônus do dia-bólico, do demens, da exclusão
de paradigmas, da invisibilização das alteridades.
Como dito iniciamente o imprinting do
iluminismo europeu, propagou o epistemícidio, portador exclusivista do dia-bólico,
do excludente, do Ser que que não reconhece outros seres, uma vez que para o
SER o outro é sempre um NÃO-SER.
Este dia-bólico tem representação no
reino da cultura, mas também no reino dos relacionamentos. Toda vez que um ser
humano, incorpora todas as características pretensiosas de
auto-referencialidade, de portador único da verdade, de porta-voz dogmático do
conhecimento, ele se deixou vencer pelos daemons da auto-suficiência e
arrogância.
Penso que o dia-bólico deve ser
submetido e exorcizado pelo sim-bólico no plano da inteligência interpessoal e
intraconsciêncial.
Por esta razão e motivo, devemos refletir,
dialogar e o mais rápido transcender toda essa herança cultural que se
configurou em pragmatismo, que além de ser antihumana se mostra insustentável
nos processos dialógicos.
Paulo Mazarem
Florianópolis
14 Jul. 17
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