
"A
morte não é a maior perda da vida. A maior perda da vida é o que morre dentro
de nós enquanto vivemos". (Picasso)
"Não
tenho medo de morrer, tenho pena". (Chico Anysio)
O morrer
para mim é lucro. (Paulo de Tarso)
O que é a morte? Conclusão, fim, passagem de um mundo para outro, nada,
expiração?
As
religiões fornecem-nos muitas explicações para este fenômeno universal,
objetivo e até onde se sabe subjetivamente único.
O
sociólogo Polonês, Zigmund Bauman em seu livro "Medo Liquido, cita Maurice
Blanchot que diz que o homem só é homem, por que é morte no processo do
devir.
Entendo
que esta premissa parte obviamente de uma concepção puramente biológica, uma
vez que estamos morrendo lentamente a cada dia, isso é "devir"
processo de degradação constante, infalível e irreversível.
Porém,
analisando o tema, sabemos que se trata de uma verdade inexorável que se
apresenta como um decreto universal e uma experiência incontornável.
Meu
propósito aqui será, o de refletir sobre ela, uma vez que pensar no tema morte
em meio a uma sociedade que higienizou-se psicologicamente dela confinando-a a
espaços específicos é fulcral para se compreender a relação do homem
contemporâneo confrontando-o com seus antepassados.
A seguir
segue uma genealogia relacional do homem com a morte nas diferentes culturas.
De acordo com Philippe Aries:
A sociedade Mesopotâmica sepultava seus mortos com tamanho zelo que juntamente com o corpo eram postos vários pertences que marcavam a identidade pessoal e familiar do mesmo (roupas, objetos de uso pessoal e até mesmo a sua comida favorita), garantindo assim que nada lhe faltaria na travessia do mundo da vida para o mundo da morte, implantado no subterrâneo terrestre.
GREGOS
Já os gregos tinham como característica cultural nos seus ritos funerários a prática de cremar os corpos dos mortos, com o intuito de marcar a nova condição existencial destes, a condição social de mortos.
Entretanto, havia dois tipos de mortos basicamente: os mortos comuns e anônimos e os heróis falecidos.
Os primeiros eram cremados e enterrados coletivamente em valas, uma vez que eram vistos como simples mortais.
Já o segundo tipo era levado à pira crematória, reservada para os grandes heróis, na cerimônia da bela morte, uma vez que nas representações dos gregos esse tipo de morte tornava imortal o morto.
Esse tipo de simbolização da morte pode ser constatada na obra de Homero, denominada Ilíada, onde o autor aponta Aquiles como o melhor dos gregos em função de seus atos de bravura (GIACOIA, 2005).
HINDUS
Os hindus, como os gregos, tinham
o costume de incinerar os corpos. Entretanto, o sentido era completamente
diferente, pois os gregos cremavam com o intuito das cinzas guardarem a memória
dos mortos. Já os hindus cremavam o cadáver, o qual era despojado de sua identidade,
personalidade e inserção social. Uma vez consumido pelo fogo, as cinzas eram
lançadas ao vento ou nos rios. Através deste ritual os hindus
objetivavam a sua representação da morte que consistia na passagem para outro
plano da existência: o fundir-se com o Absoluto, o acesso ao Eterno, ao
Nirvana, ou seja, à paz originária.
Ao contrário dos gregos, para os
hindus a grande personalidade não era o herói, nem o rei, mas sim aquele que
fosse capaz de negar-se a si mesmo, despojando-se de seus traços individuais.
Com isso, o indivíduo admirável para os hindus eram os ascetas, os monges, os
quais despojavam-se a tal ponto de abrir mão dos dois mais poderosos mananciais
da vida: o desejo de conservação e de reprodução.
Estes não tinham os corpos cremados, mas eram enterrados em
posição de meditação, em covas nos lugares sagrados, nos quais eram realizadas
peregrinações e indicavam para os hindus que o verdadeiro sentido da vida era o
despojamento do corpo, o que resultaria numa preparação para a morte gloriosa
(GIACOIA, 2005). CRISTÃOS
Já para a civilização cristã e
para boa parte dos judeus (aqueles que acreditam na ressurreição) a morte era
vista como passagem para outra dimensão, a transposição ao eterno sofrimento e
expiação (inferno), ou o acesso ao eterno gozo, reservado aos bem-aventurados
(o paraíso).
A morte para os cristãos era um
estágio intermediário, um sono profundo do qual acordariam no dia da
ressurreição, quando as almas voltariam a habitar os corpos.
É devido a essa crença que os
cristãos há muito tempo enterram os corpos dos defuntos com grande escrúpulo.
“Essa idéia introduziu uma nova percepção e poupou gerações ao
longo de séculos da idéia aterradora do fim definitivo” (FLECK, 2004, p. 1999
Apud GIACOIA, 2005). A MORTE E A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL
É importante salientar que a
sociedade ocidental tem as suas raízes na civilização grega, berço do
pensamento ocidental, bem como no judaísmo e no cristianismo, religiões estas
que influenciaram muito a cultura ocidental, a qual será abordada a partir da
Idade Média até a Idade Contemporânea.
Na Idade Média é possível
identificar mudanças significativas em relação à morte e ao morrer em dois
momentos: na primeira Idade Média ou alta Idade Média (do século V até o XII) e
na segunda Idade Média ou baixa Idade Média (do século XII até o XV).
Na primeira Idade Média a morte era “domesticada”,
“familiar”, ou seja, havia certa intimidade entre o morrer e o cotidiano
da sociedade, a tal ponto que este ato era encarado como algo natural da vida.
Era comum o moribundo, pressentindo a chegada de sua morte, realizar o ritual final, despedir-se e quando necessário reconciliar-se com a família e com os amigos, expunha suas últimas vontades e morria, na esperança do juízo final quando alcançaria o paraíso celeste.
É por isso que nesta época a morte súbita, repentina era considerada vergonhosa e às vezes considerada castigo de Deus, pois a morte casual inviabilizava o processo do morrer descrito acima.
Era comum os parentes e amigos logo após a morte do moribundo romper em grandes manifestações de luto. “Tão logo se constatava a morte, irrompiam em torno às cenas mais violentas de desespero” (ARIÉS, 1989b, p. 153)
Os defuntos eram enterrados somente com os sudários (sem caixão) em grandes valas, nas quais eram depositados vários cadáveres, nesta época não se tinha a necessidade de um túmulo próprio para o morto, o qual seria sua propriedade perpétua.
O cemitério e a igreja se confundiam, uma vez que os mortos eram enterrados tanto no interior das igrejas (ricos) quanto no seu pátio (pobres).
Está prática está ligada a ideia de que uma vez enterrados perto dos santos e mártires estes guardariam os mortos enterrados ao seu derredor protegendo-os do inferno.
É importante salientar que embora a igreja e o cemitério estivessem interligados, ambos não deixaram de ser lugares públicos, nos quais ocorriam encontros e reuniões, de forma que vivos e mortos conviviam em locais comuns. (ARIÉS, 1989a)
SEGUNDA IDADE MÉDIA
Já na segunda Idade Média
ocorreram mudanças significativas nas representações da morte no Ocidente. A partir do século XII, ao invés
da certeza passa a reinar a incerteza, uma vez que agora cabia à Igreja
intermediar o acesso da alma ao paraíso e o julgamento final deixava de ser
visto como evento que ocorreria nos Tempos Finais e passa a ser visto como um
evento que aconteceria imediatamente após a morte e resultaria na descida ao
inferno (no sofrimento eterno) ou a ascensão aos céus (na alegria eterna) e
isso dependeria da conduta do moribundo antes da morte.
Essas mudanças causaram alterações nas perspectivas das pessoas em
relação à morte, a qual deixava de ser algo natural e passava a ser uma
provação. “Sente-se que a confiança primordial está alterada: o povo de Deus
está menos seguro da misericórdia divina, e aumenta o receio de ser abandonado
para sempre ao poder de Satanás” (ARIÉS, 1989b, p. 163). Esta mudança de perspectiva em relação à morte, ocorrida no século XII, faz com que esta passe a ser “clericalizada”, segundo Ariés (1989b), é a maior mudança antes das secularizações do século XX.
BAIXA IDADE MÉDIA
Na baixa idade Média já não é mais legitimado perder o controle e chorar os mortos.
O corpo do morto antes tão familiar passa a se tornar insuportável e assim, durante séculos o mesmo vai ser ocultado numa caixa sob um monumento, onde não é mais visível.
Pouco tempo depois da morte e no próprio local desta, o corpo do defunto era completamente cosido na mortalha, da cabeça aos pés, de tal modo que nada aparecia do que ele fora, e em seguida era fechado numa caixa de madeira ou cercueil (caixão), termo francês proveniente de sarcófago, sarceu” (ARIÉS, 1989b, p. 180 – 181).
IDADE MODERNA
Na Idade Moderna, a partir do século XVIII, as atitudes do homem perante a morte alteram-se mais uma vez, de modo que, essa passa a ser romantizada e o homem desta época passa a ter complacência com a idéia da morte.
O morrer passa a ser também um momento de ruptura, no qual o homem era arrancado de sua vida cotidiana e lançado num mundo irracional, violento e cruel.
Assim passa a ocorrer uma radical separação entre a vida e a morte e uma laicização da última.
As igrejas deixaram de ser o local dos enterramentos, os quais passaram a ocorrer em cemitérios, construídos nas margens da cidade, marcando assim uma dicotomia entre vivos e mortos.
Os sepultamentos deixaram de ser anônimos, o que marca um movimento de individualização das sepulturas e de preocupação de demarcar o lugar onde havia sido depositado o corpo do defunto.
Pretendia-se agora ter acesso ao lugar exato onde o corpo havia sido depositado, e que esse lugar pertencesse de pleno direito ao defunto e à família” (ARIÉS, 1989a, p. 50).
A partir do século XIX o luto é ressignificado e passa a ocorrer um exagero do mesmo o que “quer dizer que os sobreviventes aceitam a morte do próximo mais dificilmente do que noutros tempos.
A morte temida não é, por conseguinte, a morte de si mesmo, mas a morte do próximo, a morte do outro” (ARIÉS, 1989b, p. 48).
Após este percurso histórico é importante salientar que, embora desde o começo da Idade Média até o século XIX as representações e, conseqüentemente, as atitudes do homem perante a morte sofreram transformações importantes e sutis, estas por sua vez não alteraram a familiaridade com a morte e com os mortos.
A morte tornara-se um acontecimento pleno de consequências; convinha pensar nela mais aturadamente.
Mas ela não se tornara nem assustadora nem angustiante. Continuava familiar, domesticada” (ARIÉS, 1989a, p. 44).
Entretanto, a partir da segunda metade do século XX, passa a ocorrer uma mudança brusca, na qual a morte deixa de ser familiar e passa a ser um objeto interdito.
Um fator material importante que impulsionou esta transformação foi a transferência do local da morte. Já não se morre em seu domicílio, no meio dos familiares, mas sozinho no hospital.
VELÓRIO
O velório também deixa de ser realizado na casa da família, na qual antes o corpo ficava exposto e era visitado pelos entes queridos, pois cada vez menos é tolerado a presença do morto em casa, tanto em função de questões de higiene quanto por falta de condições psicológicas de vivenciar esta situação.
REDUÇÃO DA MORTE
Maranhão (1986) afirma que a sociedade ocidental contemporânea tem estabelecido, através de formas culturais, a redução da morte e tudo o que está relacionado a ela no intuito de negar a experiência da mesma.
VER: O RECALCAMENTO DA MORTE NA COMTEMPORANEIDADE. Celia Tamura.
LUTO
Porém, o
que poucos sabem é que já existem tentativas de desnaturalizar o luto pela
indústria farmacêutica, (transformando aquilo que até o presente momento tem
sido interpretado por boa parte das sociedades como algo comum) através da
criação de diagnósticos (Transtorno Depressivo Maior), como foi sugerido na
última DSM V cuja
finalidade é medicalizar a vida humana cada vez mais pela panaceia dos
antidepressivos que prometem solucionar todos os nossos temores.
Mas a
inventiva sugestão psiquiátrica não passou na resolução e o luto continua sendo
considerado aquele período em que as pessoas, sofrem pela consciência histórica
e afetiva que essas mesmas pessoas ao partirem para uma novidade de vida
radical de vida nos deixam, seja pela força de seu exemplo ou pelos valores
positivos que essa pessoa legou.
É
interessante analisar o que escreve o pregador.
"1Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que cheguem os dias difíceis e se aproximem os dias da velhice em que dirás: “Não tenho mais satisfação em meus dias!” 2Antes que a luz do sol, da lua e das estrelas percam o brilho aos teus olhos, e penses que as nuvens carregadas de chuva jamais se afastarão de ti; 3quando os guardas da casa caminharem trêmulos, e os homens fortes andarem encurvados; quando cessar o trabalho diário dos moedores, por já serem poucos, e os que olham pelas janelas enxergarem apenas sombras e figuras turvas; 4quando as portas da rua se fecharem; quando o ruído do moinho diminuir muito e te despertares com o simples canto dos pássaros; mas o som de todas as canções te parecer fraco e distante; 5quando temeres a altura e te aterrorizares com os perigos das ruas; quando florir a amendoeira, o gafanhoto se transformar em um grande peso e perderes o gosto por quase tudo. Então é tempo de o ser humano se recolher à sua morada eterna, e os pranteadores caminharem pelas ruas chorando a tua partida. 6Sim, com certeza, lembra-te de Deus, antes que se rompa o cordão de prata, ou se quebre a taça de ouro; antes que o cântaro se despedace junto à fonte, a roda se quebre junto ao poço; 7o pó retorne à terra, de onde veio, e o espírito volte a Deus, que o concedeu. 8“Que absurdo! Que futilidade! Tudo é ilusão, vaidade!” exclama Cohéllet, o sábio. E finaliza: “Nada faz sentido! Tudo é inútil!”
(King James Atualizada, Eclesiastes, cap. 12, 1-8)
Leitmotiv: Antes
que venham os dias difíceis [...]
Todos nós
gostaríamos de postergar esses dias difíceis que chegam repentinamente e contra
nossa vontade. Embora saibamos que a morte é um fenômeno universal nos
recusamos à aceita-la. É claro que aceita-la não é fácil, mas é preciso dizer
que a morte e a vida se retroalimentam num processo ininterrupto.
E não
compreender isso é trair a própria existência, uma vez que nem Deus (Jesus)
escapou da morte e se atentarmos vamos ver que até a sua criação está sujeita a
ela.
A
natureza, por exemplo, nos ensina que o fim da semente é a morte que ao morrer
se transforma em arvore, e que na primavera faz brotar o botão da flor que
desabrocha para ser fruto e que no final, enquanto fruto morre para ser
alimento seguindo um processo linear do menos para o mais. O que me permite
avançar em minha discursividade para dizer que dessa vida não levamos nada a
não ser a vida que levamos.
Porém,
somos irresponsáveis diante da vida. E nos recusamos assumir de que nossa
existência tem sido marcada pelo materialismo e pelo consumismo desenfreado que
não só obscurece nossa percepção a respeito da eternidade como absolutiza uma
noção de mundo que se recusa a aceitar a decrepitude das coisas, bem como o
envelhecimento.
Destarte
que a nossa angústia reside na consciência que ora admite e ora rejeita essa
realidade de modo que, só a maturidade intelectual nos permitirá (re) ler que a
morte não é nada comparada a ausência de conhecimento do propósito para o qual
viemos a este mundo.
Como
dizia o Dr. Myles Monroe: “Acredito que a maior tragédia na vida não é a morte.
Mas a grande tragédia na vida é uma vida sem propósito”.
Paulo
Mazarem
Florianópolis
24 Mar.
16
REFERÊNCIAS:
Café
Filosófico: A história da
psicopatologia no Brasil -
Benilton Bezerra. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=r-XJtS0A1WQ > Acesso em: 24 Mar. 16
Frases de
Myles Monroe. Disponível em: < http://www.mellho.com/frases/myles-munroe > Acesso em: 24 Mar. 16
Melo, E. A vitória sobre a morte:
Série 50 fatos, vol. 3. Campinas: Editora Transcultural Ltda., 2010.
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