Pular para o conteúdo principal

LAICIDADE À BRASILEIRA E O PLURALISMO RELIGIOSO



O texto de Ricardo Mariano[1] “Laicidade à brasileira” vem sinalizar a tensão política  existente no universo religioso, especificamente nos espaços públicos de nossa sociedade apontando o pentecostalismo (2011, p. 247) como denominação que mais alastrou (a partir dos anos 1950) seus tentáculos carismáticos (dominação) na esfera pública. Além disso, o autor  problematiza os processos de secularização, oriundos de intenso debate no universo acadêmico, bem como destacando o papel da religião na modernidade, apontando na direção do debate sociológico que impulsiona à sociologia da religião. Logo, ele avança descrevendo que as perspectivas de Peter Berger, de que o pluralismo religioso debilitaria a religião, (ora fundamento da teoria da secularização)  estaria equivocada e que os historiadores e cientistas sociais enganaram-se sobre o assunto.
Assim, o texto volta para a questão da laicidade e do estado, ora mostrando as sinonímias semânticas entre secularização e laicidade, (principalmente no Brasil) ora,  os dissensos que decorrem à respeito do enunciado mais apropriado a se utilizar para descrever a fenomenologia de um certo contexto. O sociólogo R. Mariano, (re)lembra uma questão bastante pertinente, referente a uma discussão ocorrida na esfera pública nos EUA, concernente à  secularização e o fato de que tais processos de desteocratização (emancipação do estado em relação a Igreja)  nem sempre são pacifistas.  Este lembra que:

a secularização da esfera pública [...] não foi um subproduto natural, inevitável e abstrato dos processos de diferenciação, racionalização e modernização, mas sim o resultado de uma encarniçada luta entre grupos de interesse concorrentes, visando controlar o conhecimento social, o poder político e as instituições públicas. (MARIANO, 2011, p. 243, grifo meu)



[...] é a proclamação da República, em 1889, e sua constituição logo depois de estabelecida que criam as condições para uma sociedade pluralista e laica que se desenvolveria ao longo do século XX, com a separação do Estado Republicano da Igreja Católica e a instituição do princípio da liberdade religiosa. (2008, p. 265 grifo meu)

Portanto, percebe-se que a laicização do estado (destradicionalização da religião oficial-catolicismo) não (des)encantou o povo brasileiro (apenas o estado democrático de direito e a ciência), pelo contrário (re)encantou ainda mais  sociedade, uma vez que contribuiu para o desenvolvimento de um pluralismo religioso,  que ampliou seus tentáculos (através quarto poder)  confirmando a tese de que não somos tão laicos assim, uma vez que o estado é constítuido por representantes eleitos pelo povo, sendo o povo (segundo último senso de 2010)  90% crentes na existência de um deus criador. Assim é questionável a propositiva da laicidade, uma vez que o questionamento gravita em torno da pergunta, até onde somos de fato “laicos”?                                                                                                              
Uma vez que a cultura brasileira está impregnada de elementos morais cristãos oriundos da colonização e do catolicismo no país que não só configura uma cosmovisão de mundo como norteia o  seu modus vivendi.
E quanto ao pluralismo, de que pluralismo estamos a falar?  Alguém disse  que trata-se de um pluralismo binário, como insiste o Sociólogo da Religião Antônio Flavio Pierucci [3], ao falar do cristianismo de que se trata “simplesmente numa mudança  nos conteúdos de uma cultura que permanece cristã e que mesmo assim avança, nada nada, com 123 milhões de católicos declaros em 190 milhões de habitantes”. Ora, trata-se inegavelmente de um pluralismo religioso, sobretudo “evangélico cristão”.
Sob essa ótica, conforme Gomes:

[...] cerca 90% da população declara acreditar em Deus [...] segundo os dados do Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, o número de brasileiros que se dizem ateus ou sem religião é de apenas 8, 03%, revelando a permanência de certas heranças culturais e a abundância de crenças no país: em segundo lugar da anunciada secularização da sociedade moderna, o panorama religioso atual mostra que os deuses não foram apagados. (2013, grifo meu)

Enfim, entende-se que o tema é extremamente polissêmico e inesgotável, uma vez  que esse exórdio pretende(u) apenas descrever a leitura que tem sido até o presente momento realizada por meio da sociologia da religião, problematizando-o na linha da equivalência (homologia) à questão fenomenologica censitária, apontada (a meu ver) na direção de um (re)encantamento objetivo  do mundo (ainda que essa não seja a intensão de um senso) porém, mostrando por meio dos seus dados que  na atual contextura,  (seja ela sobre-pós, trans-“moderna” ou moderno-líquida) a crença em deus não desaparece(u), e continua influenciando a ética, os valores de uma cultura e sobretudo a política,  fomentanto a reincidente pergunta, até onde somos laicos? 

Paulo Mazarem
São José
20 Nov. 16


REFERÊNCIA:

GOMES, Pedro Gilberto (Org.). Mídias e religiões: A comunicação e a fé em sociedades em midiatização. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. – 2. ed.  – São Leopoldo: Ed. Unisinos: Casa Leiria, 2013.



[1] MARIANO, Ricardo. A laicidade à Brasileira. Civitas Porto Alegre v. 11 n. 2 p. 238-258 maio-ago. 201. Disponível em: < http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/viewFile/9647/6619> Acesso em: 19 Nov. 16      

[2] NEGRÃO, Lísias Nogueira. Pluralismo e multiplicidades religiosas no brasil contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 23, n. 2, p. 261-279, maio/ago. 2008. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/se/v23n2/a04v23n2.pdf > Acesso em: 20 Nov. 16.

[3] TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (Orgs.). Religiões em movimento: o censo de 2010. Petrópolis, Vozes, 2013, 360pp. Toniol, Rodrigo. O censo de 2010: Religiões em movimento, perspectivas em diálogo. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 34(1): 193-203, 2014. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rs/v34n1/09.pdf > Acesso em: 20 Nov. 16. p. 195.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

UMA BREVE HISTÓRIA DO CULTO AO FALO

Uma dose de conhecimento histórico, i.e., religiológico, (sim só um pouquinho) é suficiente para deixar nossos pudores embaraçados, uma vez que sexualidade sempre estivera imbricavelmente relacionado a religião parte constitutiva da humanidade.                              Uma historicização a respeito do “falo” ou de seus simulacros (objetos construídos para veneração)  nos períodos arcaicos da história humana, revelará que toda esta carga latente de erotização que (o Ocidente) se dá (eu) ao pênis hodiernamente, está equidistante da concepção que os antigos tinham a respeito da (o) genitália (órgão sexual) masculino.  Muitas culturas, incluindo o Egito, Pérsia, Síria, Grécia, Roma, Índia, Japão África até as civilizações Maia e Asteca viam no culto ao pênis uma tentativa de alcançar o favor da fertilidade e à procriação da vida.     Porém, ao que tudo indica o falocentrismo...

BOB ESPONJA, PATRICK E SIRIGUEIJO - REPRESENTAÇÕES SUBJETIVAS & COLETIVAS DO COTIDIANO

Esses tempos rolou um papo nas redes de que Bob esponja e Patrick eram gays, no entanto eles estão mais para anjos do que para hetero ou homossexuais, sim eles são seres assexuados. De acordo com Stephen Hillenburg (criador do desenho), Bob Esponja é ingênuo,  arquétipo do personagem que está(eve) sempre por aí, do indivíduo que vive e se comporta como uma criança. Já Patrick  não é ingênuo, mas burro.   Ambos formam uma dupla interessante, pois os dois juntos  pensam que são adultos e gênios.   De fato, Bob Esponja não (nunca)  percebe as trapalhadas que ambos cometes e Patrick se acha o melhor cara do mundo. Mas não esqueçamos o Mr. Sirigueijo. O senhor Sirigueijo, (chefe do Calça Quadrada na lanchonete)   tem uma história mais íntima, na verdade ele foi inspirado num chefe que Hillenburg conheceu quando trabalhou num restaurante... de frutos do mar.   O mesmo diz o seguinte: "Eu era da Costa Oeste americana...

GANZ ANDERE

“O Céu revela por seu próprio modo de ser, a transcendência, a força, a eternidade.   Ele existe de uma maneira absoluta, pois é elevado, infinito, eterno, poderoso”.    (Mircea Eliade 1907-1986 ) “ Ganz andere ” é uma expressão inspirada pelas ideias do teólogo protestante Rudolf Otto (1869-1937) e que aparece na introdução do clássico “O Sagrado e o profano: a essência das religiões” de autoria de Mircea Eliade. O sentido da expressão aponta para aquilo que é grandioso e “totalmente diferente”. Em relação ao “Ganz andere”, o homem tem o sentimento de sua profunda nulidade, o sentimento de não ser nada mais do que uma criatura, segundo os termos com que Abraão teria se dirigido ao Senhor – de não ser senão cinza e pó (Gen: 18:27). “Ganz andere” se identifica com aquilo que o homem religioso interpreta como a materialização extrema do sagrado.     Uma experiência possível de ser experimentada ao se observar durante a noite a imaginária ...