Sabe-se que os conceitos não são unívocos e quem ama "palavras", sabe muito bem que elas são elásticas, customizáveis e polissêmicas. O que talvez muitos não saibam é que a palavra "pobreza" encontra-se também entre esses conceitos de significações que ganham para além da recepção hodierna em outras culturas, fora deste circuito hegemônico, ocidentalocêntrico e capitalista, significados que reinventam nossa capacidade de reflexão
De acordo com Mia Couto em algumas línguas de Moçambique que ao total são mais de 27, em algumas delas, sequer existe a palavra pobre. Pobreza não seria só a falta de bens, mas a solidão. Como o senhor enxerga os discursos sobre a pobreza?
Essa lição que a África
pode dar é uma lição relativa. O que se está a dizer não é que não haja
pobreza. Mas a forma de medir a pobreza não é pela falta de dinheiro só, é pela
falta da rede familiar. Portanto, quando se chama chisiwana, que é a forma para designar um pobre,
quer dizer que a pessoa começa a ser pobre quando perdeu os laços de
familiaridade, é uma espécie de desamparo, solidão. E essa é uma maneira de
medir a pobreza que pode ser aplicada também em outros sítios. Somos pobres
porque nossa vida foi empobrecida em todos os sentidos. O quanto este mundo de
hoje nos oferece de coisas que nos encantam, que nos criam esperança e crença?
Esse
empobrecimento foi o que nos ensinaram, de só ver por um critério econômico e
financeiro. Mas, desse ponto de vista, mesmo ricos hoje são pobres. Porque eles
próprios têm medo, não têm tanta esperança assim, vivem em função de algo que é
imediato, instantâneo.
Mia couto crítica também o politicamente correto, que nos coloca a reboque de preocupações
cosméticas e por que não dizer estéticas, onde a ética em detrimento de uma
estética, perde o seu valor de dever em termos kantianos, e tornar-se algo
meramente pragmático em uma cultura onde o fim é mais importante que os meios e
que prático e o funcional a serviço do neoliberalismo sacrificam às ultimas
reservas morais de nosso planeta.
REFERÊNCIAS:
Mia Couto: O grande crime do racismo é que anula, em nome da raça, o indíviduo. Disponível em: < http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/proa/noticia/2014/09/mia-couto-o-grande-crime-do-racismo-e-que-anula-em-nome-da-raca-o-individuo-4591914.html > Acesso em: 01 Mai. 17
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