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 IGREJA, DISCIPULADO, BATISMO EM ÁGUAS, DE CRIANÇAS E A CEIA DO SENHOR

 

By Paulo Mazarem[1]

 

A palavra “Igreja” aparece 73 vezes no Novo Testamento. O conceito é oriundo da palavra grega “ekklesia” (igreja), literalmente, refere-se à reunião de um povo, por convocação. A Igreja de Cristo possui uma vocação multifacetada e profundamente espiritual. Ela é, antes de tudo, doxológica, existindo para glorificar a Deus em tudo o que faz. É também logocêntrica, fundamentada em Jesus Cristo, o Verbo encarnado, e nas Escrituras como autoridade final.

Sua vida e missão dependem do Espírito Santo, por isso é pneumodinâmica, agindo no poder e na direção do Espírito. Como povo da aliança, ela é pactual, vivendo em comunhão com Deus e entre os irmãos. É igualmente confessional, unida pela fé em Cristo e pela verdade histórica do Evangelho. Além disso, a Igreja é essencialmente missional, enviada ao mundo para proclamar e viver o Reino de Deus. Por fim, é escatológica, situada na história, mas orientada pela esperança da consumação futura, vivendo entre o já e o ainda não do Reino.

 

A Igreja de Jesus Cristo é mais do que uma instituição; ela é um organismo vivo, chamado por Deus para refletir sua glória na terra. Sua vocação é ampla, profunda e espiritualmente significativa, pois nasce no coração da Trindade e se estende por toda a história, em direção ao cumprimento escatológico de todas as coisas. Essa vocação pode ser compreendida em sete dimensões interdependentes que revelam sua identidade e missão no mundo. 

 

IGREJA DOXOLÓGICA

Em primeiro lugar, a Igreja é doxológica, isto é, voltada para a glória de Deus. Ela existe, em sua essência, para adorar. Todas as suas ações, da pregação à solidariedade, da ceia à missão, devem ter como alvo último a exaltação do Senhor. Como afirma o apóstolo Paulo: “Quer comais, quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31). A doxologia não é um momento do culto, mas o fôlego de toda a vida eclesial.

 

IGREJA LOGOCÊNTRICA

Essa Igreja glorificadora é também logocêntrica, centrada na Palavra, não apenas nas Escrituras como texto, mas em Jesus Cristo, o Verbo encarnado (Jo 1.1,14). A fé cristã é uma fé histórica e revelacional, ancorada na Palavra inspirada, autoritativa e suficiente. A Igreja é chamada a ouvir, anunciar e viver essa Palavra com fidelidade. Como nos lembra o apóstolo Paulo: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino” (2Tm 3.16). Sua centralidade na Palavra é o que a preserva da confusão doutrinária e do espírito de sua época.

 

IGREJA PNEUMODINÂMICA

Contudo, a Palavra sem o Espírito é letra morta. Por isso, a Igreja é também pneumodinâmica — ela vive, se move e serve pelo poder do Espírito Santo. É o Espírito que a congrega, santifica, distribui dons e concede poder para a missão (At 1.8; 1Co 12.4-7). A Igreja sem o Espírito é um corpo sem vida; com o Espírito, é o templo vivo de Deus, capacitado para toda boa obra.

 

IGREJA PACTUAL

Além disso, a Igreja é pactual, formada por aqueles que foram chamados a viver sob a nova aliança em Cristo. Ela é o povo do pacto, uma comunidade que vive em relacionamento com Deus e entre si, sustentada pela graça e comprometida com a fidelidade. A ceia do Senhor, por exemplo, é mais que um rito memorial, é a renovação contínua dessa aliança (Lc 22.20). Como vemos em Atos 2.42, a vida da Igreja é marcada pela comunhão, pela partilha e pelo compromisso mútuo, porque a aliança é tanto vertical quanto horizontal.

 

IGREJA CONFESSIONAL

Essa comunidade pactual é também confessional. Ela não é uma massa amorfa de crentes, mas um povo que se une em torno da fé professada: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16). Essa confissão é pessoal, mas também comunitária e histórica. Ao longo dos séculos, a Igreja reafirmou sua fé em credos, confissões e declarações doutrinárias que resguardam a sã doutrina e expressam a continuidade da fé dos apóstolos. Crer é confessar, e confessar é comprometer-se com a verdade que liberta (Jo 8.32).

 

IGREJA MISSIONAL

Mas a Igreja não vive para si mesma. Ela é missional, chamada a ser sal e luz no mundo (Mt 5.13-16). Sua identidade está ligada ao envio: “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20.21). A missão não é apenas uma atividade da Igreja; é sua própria razão de existir neste mundo caído. A proclamação do evangelho, o cuidado dos marginalizados, o testemunho da reconciliação são expressões dessa vocação missional, sustentada pelo Espírito e fundamentada na Palavra.

 

IGREJA ESCATOLÓGICA

Por fim, a Igreja é espaço-temporal e escatológica. Ela está situada na história, vive no tempo e no espaço, mas não está confinada a eles. Sua cidadania é celestial (Fp 3.20) e sua esperança aponta para a vinda gloriosa do Senhor (Ap 22.20). Vivendo entre o “já” da inauguração do Reino e o “ainda não” de sua consumação, a Igreja é sinal e antecipação da nova criação. Ela não foge do mundo, mas atua nele como semente do que há de vir, resistindo ao presente século com a esperança viva de que Deus está fazendo novas todas as coisas.

 

Assim, a vocação da Igreja é multifacetada: ela adora, proclama, ensina, serve, confessa, espera e vive em aliança. É um corpo animado pelo Espírito, guiado pela Palavra e destinado à glória de Deus. Que ela nunca perca sua identidade, mas caminhe firmemente, com os olhos fitos em Cristo, “autor e consumador da fé” (Hb 12.2).

 

Em suma, trata-se do conjunto de povo de Deus reunido com o propósito de adorar ao todo criador, como cidadãos dos céus. É de se prever que todos saibam o que é uma igreja, tanto no sentido místico, quanto organizacional.  É importante ainda lembrar que a igreja como organização lutou muito para adquirir o seu status que hoje possui, basta olharmos para o retrovisor da história e assistiremos desde sua fundação, as inúmeras perseguições que esta sofreu, sobretudo no espectro político desde os dias apostólicos.  Hoje gozamos de prestígio pelas autoridades que inclusive frequentam nossas igrejas, reconhecendo o papel e a importância da igreja na (res)socialização de pessoas e na edificação da célula mater da sociedade, a família. Todavia, é preciso lembrar como já destacado que a igreja não é apenas uma organização, mas um organismo vivo. 

 

Explicaremos aqui brevemente as distinções: 

 

 

 

Dimensões da Igreja: Visível x Invisível                                                  

ASPECTO

IGREJA VISÍVEL

IGREJA INVISÍVEL

BASE BÍBLICA

É Visível

Comunidade reunida, com estruturas humanas

Corpo espiritual dos verdadeiros salvos

Mt 13.24-30; Mt 16.18; Hb 12.22-23

É Invisível

Não se pode ver os verdadeiros membros salvos

Conhecida somente por Deus

2 Tm 2.19; Rm 8.29-30; Jo 10.14

É Local

Congregações específicas em lugares distintos

Uma só Igreja no Espírito

1 Co 1.2; Ap 2–3; Ef 4.4-6

É Universal

Composta por igrejas locais

Corpo místico de Cristo no mundo todo

Cl 1.18; Ef 5.23-27; Mt 28.19-20

É Humana

Administrada por líderes e membros falíveis

Sustentada pelo Espírito Santo e graça divina

2 Co 4.7; 1 Co 3.9; At 20.28

É Divina

Fundada e santificada por Deus

Obra eterna de Deus em Cristo

Mt 16.18; Ef 2.19-22; Hb 3.6

É Temporária

Sujeita a falhas, disciplina, reformas

Caminha até a plenitude escatológica

Ap 2.5; Mt 25.1-13; Ef 1.10

É Perpétua

Será aperfeiçoada na consumação final

Já é perfeita aos olhos de Deus

Ap 21.2-3; Ef 5.27; Hb 12.22-24

É Imperfeita

Contém joio e trigo, justos e hipócritas

Constituída apenas pelos verdadeiros regenerados

Mt 13.24-30; 1 Jo 3.2-3; Rm 11.5

É Perfeita

Será glorificada com Cristo

Já está unida com Cristo nos céus

Cl 3.3; Ef 2.6; Ap 7.9-17

 

 

ORGANIZAÇÃO

         A igreja de Cristo como organização é possivelmente o primeiro contato dos cristãos com a sociedade. Não obstante, o modelo bíblico de organização da Igreja são os Dons e Ministérios que por meio dEla operam, dados por Deus (Ef. 4. 11) e pelo Espírito Santo (1 Cor 12. 1-11) como já destacados. É importante destacar que a igreja como organização aparece em vários trechos da Bíblia, sobretudo, nos capítulos dois e três do livro de Apocalipse onde encontramos um entendimento melhor sobre o tema. A mensagem de Cristo as sete Igrejas locais existentes no Oeste da Ásia Menor, com o propósito de instruir, advertir e edificar, dão conta de mostrar que o Senhor Jesus está a cuidar da sua igreja e quer ver nas Igrejas locais, cada uma (com suas particularidades e peculiaridades) o seu propósito sendo realizado. 


 

ORGANISMO

         A Igreja como organismo, é uma criação de Deus e todos os membros, embora tenham características distintas - cumprem o propósito de manter o corpo em condições mínimas de existência vital - Todos nasceram do Espírito Santo e este testifica que os nascidos de novo são filhos de Deus, co-herdeiros com Jesus Cristo, e portadores de uma dupla cidadania agora – pois não somos mais apenas desta terra, mas dos céus. E assim, com os pés na terra, somos sal e luz do mundo (e não um armazém de secos e molhados aglutinados e empilhados em caixas de lâmpadas e sacas de sal) comprometidos com os valores do reino de Deus. Além disso, mantemos os olhos fixos no céu, sem jamais perder a esperança de vida eterna, cientes de que essa vida não é em hipótese alguma plena ou a única modalidade de existência. (1 Cor 15. 19). Ora, quem é de Cristo, sabe que nenhuma geografia física, por mais paradisíaca que seja é permanente, por isso buscamos a que há de vir (Hb 13.14).

          

COMUNHÃO

Quais princípios divinos relacionados à mesa, à Igreja e à família podem estabilizar a comunhão, senão a Ceia? De fato, a comunhão é vital para a vida em família; por isso, é à mesa, no partir do pão (em memória de Cristo), que, no primeiro domingo de cada mês (em cada igreja local, salvo algum evento extraordinário), cristãos se reunem para cumprir o mandamento de Jesus, observando, obviamente, o imperativo do discipulado como critério essencial para o batismo e para a participação do corpo de Cristo.

 

É importante ressaltar que, segundo Mateus 28.19, o batismo deve ser precedido pelo discipulado: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os...” — o texto não ordena apenas batizar, mas fazer discípulos antes de batizar. Esse imperativo estabelece o discipulado como critério essencial para a integração no corpo de Cristo e, consequentemente, para a participação na Ceia do Senhor.

 

Ora, todas as recomendações bíblicas relacionadas à Ceia envolvem tanto cristãos quanto não cristãos (pagãos), e servem para endossar a tese de que a participação na Ceia, de forma incauta ou sem discernimento, pode acarretar prejuízos físicos e espirituais. “Por essa razão, há entre vós muitos fracos e doentes, e vários que já dormem” (1Co 11.30). 

 

Essa compreensão está plenamente alinhada com o testemunho bíblico de Atos 2.42, onde se afirma que os primeiros cristãos “perseveravam na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações”. Note-se que essa perseverança surge logo após os que creram serem batizados (At 2.41), formando, então, uma comunidade comprometida com a Palavra, o ensino apostólico e a vida sacramental. “Que ninguém coma nem beba da Ceia sem antes ter sido batizado em nome do Senhor”, afirma o Didaquê (cap. 9), um dos mais antigos documentos cristãos pós-apostólicos, também conhecido como “O Ensino dos Doze Apóstolos”. Este texto do final do primeiro século evidencia que a Igreja primitiva compreendia a Ceia do Senhor como um privilégio reservado àqueles que já haviam passado pelas águas do batismo — sinal visível de arrependimento, fé e submissão ao senhorio de Cristo.

 

Como nos lembra em sua obra Eclesiologia, Allison Gregg ao citar Hipólito[2] em Apostolic traditions[Tradições apostólicas], “Quando forem escolhidos aqueles que receberão o batismo, que sua vida seja examinada, se viveram de modo honrado enquanto catecúmenos, se honraram as viúvas, se visitaram os enfermos e se realizaram toda boa obra”. Até mesmo o meio pelo qual obtinham sustento era examinado, e era exigido de alguns catecúmenos que deixassem sua profissão antes de poderem ser batizados. De modo específico, pintores e escultores (de ídolos), atores, professores escolares (de conhecimento mundano), participantes de circos romanos (condutores de carros, atletas, espectadores), gladiadores e aqueles que eram associados a essa ocupação, sacerdotes idólatras, soldados e outros militares, cafetões, prostitutas, feiticeiros, concubinas e outros que se dedicavam a profissões semelhantes de má reputação tinham, primeiramente, de deixar essas ocupações para, então, poderem se tornar cristãos. 

 

Portanto, é vital que cada membro do corpo de Cristo esteja plenamente cônscio da importância de observar as diretrizes bíblicas que sustentam e moldam a Cosmovisão Cristã. A vida em comunidade, o culto ao Senhor, o partir do pão, o discipulado e os sacramentos não são elementos opcionais ou simbólicos apenas são expressões concretas de uma fé viva, enraizada na revelação divina.

 

Ao reconhecermos que pertencemos a uma Igreja santa, chamada e enviada por Deus, compreendemos que cada princípio revelado nas Escrituras tem o propósito de alinhar nossa vida com a vontade do Senhor. Essa cosmovisão nos convida a enxergar todas as esferas da existência a família, a mesa, o batismo, a Ceia, o discipulado e a missão, sob a ótica do Reino de Deus.

 

Negligenciar essas diretrizes compromete não apenas a comunhão com Deus, mas também enfraquece os vínculos fraternos e obscurece o testemunho da Igreja no mundo. Por isso, somos chamados a viver de forma coerente com aquilo que cremos, a fim de que, em tudo, Cristo seja glorificado e a Igreja edificada.

 

Que, guiados pela Palavra, cheios do Espírito e comprometidos com o discipulado, possamos participar da mesa do Senhor com reverência, maturidade e entendimento — conscientes de que ali se renova a nossa aliança com Deus e com os irmãos, e se fortalece a identidade de um povo que vive segundo a verdade e a esperança do Evangelho.

 

BATISMO

O batismo em águas é uma ordenança instituída por Cristo para a sua Igreja. Essa prática foi ordenada diretamente por Jesus: “Portanto, ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19). Por este motivo, o batismo é reconhecido como testemunho público do novo nascimento, por meio do qual o crente se identifica espiritualmente com a morte, sepultamento e ressurreição de Cristo: “Sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos” (Cl 2.12).

 

A FÓRMULA BATISMAL

O Senhor Jesus, ao entregar à Igreja sua missão global, estabeleceu com clareza a fórmula pela qual o batismo deve ser realizado: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19). Essa ordem não é apenas uma instrução litúrgica, mas uma profunda afirmação teológica da natureza trinitária de Deus e da inserção do novo crente na vida e na comunhão do Deus triúno. O uso do singular “em nome” revela a unidade essencial da Trindade, enquanto a menção das três Pessoas expressa a distinção relacional no ser divino.

 

O batismo trinitário é amplamente corroborado por outras passagens das Escrituras. Em 2 Coríntios 13.13 (ou 13.14, conforme a versão), Paulo encerra sua carta com uma bênção que invoca as três Pessoas divinas: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós.” Essa fórmula trinitária reflete a realidade espiritual do batismo: é o Pai quem chama, o Filho quem redime, e o Espírito quem regenera e sela o crente. Também em 1 Pedro 1.2 vemos a obra de salvação descrita em chave trinitária: “Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo.” Esses textos reforçam que o batismo cristão não é um ritual genérico de purificação, mas uma entrada formal na aliança do Deus que é Trindade.

 

Embora algumas passagens do livro de Atos mencionem que os convertidos foram batizados “em nome de Jesus Cristo” (At 2.38; 10.48), essa fórmula não contradiz Mateus 28.19, mas expressa a autoridade de Cristo e o contraste com os batismos não cristãos da época (como os de João Batista). A Igreja primitiva entendeu que o batismo “em nome de Jesus” era compatível com o batismo trinitário, como revelado pela tradição e confirmado pela liturgia dos primeiros séculos.

 

Não obstante, a prática do batismo trinitário aparece já nos escritos do Didaquê (c. 90–110 d.C.), documento também conhecido como O Ensino dos Doze Apóstolos. No capítulo 7, lemos: “Batizai em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, em água corrente.” Este é um dos primeiros testemunhos pós-apostólicos que confirma a fidelidade da Igreja primitiva ao mandamento de Cristo. Já Justino Mártir, por volta de 150 d.C., declara em sua Primeira Apologia que os que recebiam o batismo o faziam “em nome de Deus, Pai e Senhor do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo, e do Espírito Santo.” Tertuliano, no início do século III, em sua obra De Baptismo, também confirma essa prática e argumenta que qualquer batismo fora da fórmula trinitária é inválido.

 

Essa convicção foi definitivamente afirmada nos credos ecumênicos, especialmente no Credo Niceno-Constantinopolitano (381 d.C.), que declara a fé “em um só batismo para remissão dos pecados” após professar a fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Ao longo da história da Igreja, essa fórmula foi considerada o selo de um batismo legítimo e ortodoxo. Negá-la é romper com a tradição apostólica e com a compreensão bíblica da salvação como obra conjunta das três Pessoas divinas.

 

Portanto, o batismo “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” é mais do que uma fórmula formal: é a expressão da fé da Igreja no Deus trino e o rito de entrada na nova vida em Cristo. Essa fórmula não apenas confere legitimidade ao ato batismal, mas também salvaguarda a doutrina da Trindade contra reducionismos e heresias. Assim, cremos, ensinamos e praticamos essa forma de batismo, em plena fidelidade à Palavra de Deus e ao testemunho contínuo da Igreja ao longo dos séculos.

 

O BATISMO NÃO REGENERA

A doutrina bíblica ensina claramente que o batismo em águas não possui poder regenerador. A salvação é um dom exclusivo da graça de Deus, recebido mediante a fé em Jesus Cristo (Ef 2.8–9). O perdão dos pecados está ligado ao arrependimento genuíno e à ação transformadora do Espírito Santo, não ao rito externo do batismo.

 

Embora Atos 2.38 declare: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos pecados...”, esse texto não deve ser interpretado como uma defesa da regeneração batismal. A própria pregação apostólica oferece uma leitura mais equilibrada. Em Atos 3.19, por exemplo, Pedro proclama: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados”, sem qualquer menção ao batismo como requisito direto para o perdão. A ênfase está sempre na fé e na conversão do coração.

 

Em Marcos 16.16, lê-se: “Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado.” Aqui, o foco da condenação é a incredulidade, e não a ausência do batismo. A fé continua sendo o elemento determinante para a salvação. O batismo, embora ordenado por Cristo como sinal de obediência, não é a causa da salvação, mas sua consequência visível.

 

Essa verdade é reforçada por outros episódios bíblicos. João Batista ministrava o batismo apenas àqueles que demonstravam frutos dignos de arrependimento (Mt 3.8; Lc 3.8). Em Pentecostes, foram batizados os que de bom grado receberam a Palavra (At 2.41), evidenciando que o batismo seguia a fé, e não a precedia. O exemplo mais emblemático, porém, é o do malfeitor na cruz. Sem jamais ter sido batizado, ele foi salvo pelo próprio Cristo, que lhe disse: “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23.43).

 

Dessa forma, entende-se que o batismo não salva, não purifica pecados por si mesmo, nem gera nova vida espiritual. Ele é um ato público de fé e obediência, que confirma exteriormente a obra da graça já operada interiormente. A Igreja batiza os que já creram e foram regenerados, não para que sejam salvos, mas porque já o foram pela fé em Cristo. Esta é a compreensão fiel à mensagem do evangelho e à prática apostólica.

 

O BATISMO DE CRIANÇAS

A prática do batismo infantil não é aceita nem praticada por igrejas que seguem fielmente o padrão apostólico revelado nas Escrituras. Existem razões bíblicas, teológicas e espirituais claras para essa posição, e todas elas reforçam a convicção de que o batismo deve ser ministrado exclusivamente àqueles que creem e se arrependem conscientemente.

 

Em primeiro lugar, há ausência total de qualquer exemplo de batismo infantil nas Escrituras. Em todo o Novo Testamento, não se encontra sequer um caso em que uma criança tenha sido batizada. Os registros bíblicos indicam que a fé precede o batismo, como um ato de obediência consciente por parte do indivíduo que ouviu a Palavra, creu e se rendeu a Cristo. Além disso, o batismo exige maturidade espiritual mínima, algo que crianças pequenas não possuem. Elas ainda não têm plena consciência do pecado, o que as impossibilita de experimentar o arrependimento verdadeiro, condição indispensável para o batismo cristão. Como afirma Atos 2.38: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado...”. O arrependimento é pré-requisito, não uma consequência.

 

Outro equívoco comum é associar o batismo ao sinal da aliança, da mesma forma que a circuncisão no Antigo Testamento. No entanto, essa comparação não se sustenta à luz do evangelho. O apóstolo Paulo afirma em Gálatas 6.15 que “nem a circuncisão nem a incircuncisão têm valor algum, mas sim ser nova criatura”. O que autentica a fé cristã não é um rito externo, mas a transformação interior operada pela graça de Deus.

 

O Novo Testamento também destaca a necessidade de fé pessoal e consciente para a administração do batismo. Em Atos 8.36–38, quando o eunuco etíope pergunta: “Eis aqui água; que impede que eu seja batizado?”, Filipe responde: “É lícito, se crês de todo o coração.” Ao que o eunuco replica: “Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus.” Essa sequência, fé, confissão e batismo é a norma bíblica.

 

Atos 8.12 reforça esse padrão: “Quando, porém, creram em Filipe, que lhes pregava acerca do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo, eram batizados, tanto homens como mulheres.” O texto é claro ao mostrar que a fé precede o batismo, e que este era ministrado a adultos e pessoas conscientes, jamais a crianças ou infantes.

 

Dessa forma, conclui-se que o batismo infantil não possui base bíblica nem respaldo teológico. Trata-se de uma prática eclesiástica surgida séculos depois da era apostólica, mas sem fundamento nas Escrituras. O batismo é, essencialmente, um ato de obediência consciente, reservado àqueles que ouviram o evangelho, se arrependeram de seus pecados e creram de todo o coração no Senhor Jesus Cristo.

 

APRESENTAÇÃO DE CRIANÇAS 

A frase frequentemente repetida em ambientes cristãos: “Alguns pais apresentam seus filhos a Deus, mas não apresentam Deus aos seus filhos”, revela uma tensão real e profunda entre o ato e a responsabilidade cotidiana da formação espiritual no lar. Ela nos convida a refletir sobre a diferença entre um gesto público e simbólico e um compromisso prático, contínuo e discipulador.

 

Apresentar um filho a Deus, como ocorre nas cerimônias de consagração infantil, é um ato digno, solene e bíblico visto, por exemplo, na apresentação de Jesus no templo (Lc 2.22). Contudo, esse gesto não substitui o chamado diário de instruir a criança nos caminhos do Senhor. O problema não está na apresentação, mas na falta de continuidade entre esse momento e a rotina espiritual da família. Apresentar Deus aos filhos, por outro lado, é uma tarefa constante e relacional. Significa que os pais assumem, diante de Deus e da comunidade de fé, o compromisso de ensinar, modelar, viver e transmitir a fé cristã no contexto do lar. Como ordena Deuteronômio 6.6–7:

 

Estas palavras que hoje te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos e delas falarás sentado em tua casa, andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te.

 

A Bíblia confia aos pais a missão de serem os primeiros mestres e pastores de seus filhos. Não basta depender da igreja uma vez por semana; é no ambiente familiar que a criança forma sua primeira imagem de Deus. Pais que não apresentam Deus aos filhos por meio do exemplo, da oração, da leitura bíblica e de conversas espirituais podem estar inadvertidamente terceirizando aquilo que jamais deveria ser delegado.

 

A consequência desse descuido é grave: filhos apresentados no púlpito de uma igreja podem crescer sem conhecer verdadeiramente aquele a quem foram consagrados. Torna-se, então, uma consagração sem discipulado, uma promessa sem cultivo, uma semente lançada sem rega nem cuidado.

 

Portanto, apresentar os filhos a Deus deve ser o início de um processo contínuo, no qual os pais e testemunhas, por palavras e atitudes, apresentam Deus aos filhos todos os dias, não apenas como uma doutrina, mas como uma presença viva e amorosa, pessoal e transformadora. Afinal, o maior legado espiritual que um pai pode deixar ao seu filho não é tê-lo levado ao púlpito de uma igreja, mas tê-lo conduzido ao coração de Deus.

 


CONCLUSÃO

 

Diante de tudo o que foi estudado, compreende-se que a Igreja, como corpo de Cristo, é chamada a refletir a glória de Deus em todas as dimensões de sua existência. Sua vocação é doxológica, pois vive para glorificar a Deus em adoração e serviço; logocêntrica, pois está firmada na Palavra revelada; pneumodinâmica, pois é conduzida e vivificada pelo Espírito Santo; pactual, pois vive em aliança com Deus e entre seus membros; confessional, pois professa a fé histórica e bíblica em Cristo; missional, pois é enviada ao mundo para anunciar o Evangelho; e escatológica, pois caminha com esperança na consumação do Reino.

 

À luz dessa identidade plural e profundamente espiritual, o batismo surge como uma expressão visível de uma realidade invisível: a união do crente com Cristo em sua morte e ressurreição. Assim, o batismo, no entanto, não é instrumento de salvação, mas sinal de que a salvação já ocorreu, é ato de obediência, testemunho público de fé e arrependimento, e deve sempre ser precedido pelo discipulado, como ensina Jesus em Mateus 28.19: “fazei discípulos... batizando-os...”.

 

Por essa razão, rejeita-se a prática do batismo infantil, uma vez que as Escrituras não apresentam qualquer exemplo dessa prática, e exigem como condição para o batismo a fé consciente e o arrependimento verdadeiro, elementos que não podem ser encontrados em crianças pequenas. Em vez disso, a apresentação de crianças, como vemos no exemplo de Jesus sendo levado ao templo (Lc 2.22), é uma prática bíblica e significativa, que simboliza a consagração da vida da criança a Deus e o compromisso dos pais e da comunidade em criá-la nos caminhos do Senhor.

 

Portanto, a Igreja deve manter fidelidade às Escrituras em sua prática batismal e formativa. Ela batiza os que creem de todo o coração, acompanha os recém-nascidos na fé com discipulado contínuo, e apresenta suas crianças ao Senhor, comprometendo-se a apresentar Deus aos filhos e não apenas os filhos a Deus. Assim, vive de modo coerente com sua vocação trinitária, formando discípulos que glorificam a Deus, permanecem na Palavra, seguem o Espírito, vivem em aliança, professam a fé, cumprem a missão e aguardam, com esperança, a vinda do Senhor.

 

 

 

REFERÊNCIAS 

 

GREGG R. Allison, Eclesiologia: uma teologia para peregrinos e estrangeiros; tradução de Susana Klassen. São Paulo: Vida Nova, 2021

 

DIDAQUÊ. Os Doze Apóstolos: A Tradição dos Apóstolos. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2011. (Coleção Patrística; v. 1).

 

JUSTINO MÁRTIR. Apologia I. In: SCHMIDT, A. et al. Apologistas gregos. São Paulo: Paulus, 2000. (Coleção Patrística; v. 5).

 

MASSARIN, Paulo. Kids Dedication. Florianópolis: Mais de Cristo, 2020.

 

MASSARIN, Paulo. Novos Membros. Florianópolis: Mais de Cristo, 2021.

 

TERTULIANO. O Batismo. In: TERTULIANO. Tratados Morais. São Paulo: Paulus, 2002. (Coleção Patrística; v. 13).

 



[1] Teólogo, Cientista da Religião e Coordenador da FMC. Email: pauloreligiologo@icloud.com

[2] Hipólito de Roma (c. 170 – c. 235 d.C.) foi um dos mais importantes teólogos da Igreja primitiva e é frequentemente considerado o primeiro antipope da história da Igreja, ou seja, um bispo que se opôs ao papa legitimamente eleito, embora tenha morrido reconciliado com a Igreja.

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Uma dose de conhecimento histórico, i.e., religiológico, (sim só um pouquinho) é suficiente para deixar nossos pudores embaraçados, uma vez que sexualidade sempre estivera imbricavelmente relacionado a religião parte constitutiva da humanidade.                              Uma historicização a respeito do “falo” ou de seus simulacros (objetos construídos para veneração)  nos períodos arcaicos da história humana, revelará que toda esta carga latente de erotização que (o Ocidente) se dá (eu) ao pênis hodiernamente, está equidistante da concepção que os antigos tinham a respeito da (o) genitália (órgão sexual) masculino.  Muitas culturas, incluindo o Egito, Pérsia, Síria, Grécia, Roma, Índia, Japão África até as civilizações Maia e Asteca viam no culto ao pênis uma tentativa de alcançar o favor da fertilidade e à procriação da vida.     Porém, ao que tudo indica o falocentrismo...

BOB ESPONJA, PATRICK E SIRIGUEIJO - REPRESENTAÇÕES SUBJETIVAS & COLETIVAS DO COTIDIANO

Esses tempos rolou um papo nas redes de que Bob esponja e Patrick eram gays, no entanto eles estão mais para anjos do que para hetero ou homossexuais, sim eles são seres assexuados. De acordo com Stephen Hillenburg (criador do desenho), Bob Esponja é ingênuo,  arquétipo do personagem que está(eve) sempre por aí, do indivíduo que vive e se comporta como uma criança. Já Patrick  não é ingênuo, mas burro.   Ambos formam uma dupla interessante, pois os dois juntos  pensam que são adultos e gênios.   De fato, Bob Esponja não (nunca)  percebe as trapalhadas que ambos cometes e Patrick se acha o melhor cara do mundo. Mas não esqueçamos o Mr. Sirigueijo. O senhor Sirigueijo, (chefe do Calça Quadrada na lanchonete)   tem uma história mais íntima, na verdade ele foi inspirado num chefe que Hillenburg conheceu quando trabalhou num restaurante... de frutos do mar.   O mesmo diz o seguinte: "Eu era da Costa Oeste americana...

RESENHA DO FILME TERRA VERMELHA

Paulo R. S. Mazarem O Filme “Terra Vermelha" de 2008, direção e Roteiro do chileno Marco Bechis , bem como os demais roteiristas Luiz Bolognesi, Lara Fremder foi produzido com a finalidade de dilucidar a realidade enfrentada pelos índios Guarani- Kaiowá e descrever a perda espacial de seu território no Mato Grosso do Sul, expropriado pelos Juruás (homens Brancos). A co-produção ítalo-brasileira Terra Vermelha , é uma obra com teor político, e torna-se quase que indispensável por assim dizer para quem deseja compreender a questão e realidade indígena de nosso país. Ele descreve como a nova geração de índios, isto é, os jovens reagem diante de um novo sistema que lhe é imposto, onde seu trabalho, cultura e religião não possuem valor algum, efeitos esses decorrentes das apropriações indébitas de terras que em outrora eram suas por nascimento, para não utilizar o termo “direito” que nesse caso, não era um saber do conhecimento...