Conhecer a textura retórica do material narrativo sagrado implica saber como o texto bíblico foi escrito, como se desenvolveu e como foi interpretado, o que exige, na prática tangenciar a autoridade teológica do texto, submetendo-o a três rigorosas indagações.
Uma delas está circunscrita ao aspecto literal: o que o texto queria dizer para o seu autor; outro questionamento aponta para o status canônico: o que o texto queria dizer para os primeiros leitores que o aceitaram como Escritura Sagrada; ainda outra pergunta se preocupa com o âmbito circunstancial: o que o texto quer dizer hoje no contexto da comunidade cristã.
Neste ponto deve ser anexada a observação de que nos últimos dois séculos coexistiu um duplo método de estudo da Bíblia, ambos adotados nos círculos judaicos e cristãos.
Um deles recorre à Bíblia na qualidade de Palavra divina revelada, podendo ser simplesmente chamado de método teológico-bíblico.
O tema nuclear do segundo método, denominado histórico-crítico, ocupa-se da Bíblia como um produto literário de antiga comunidade sociopolítica e religiosa.
As relações entre um e outro parecem sempre complexas e ambivalentes. Será possível uma aproximação sem comprometer as expressões basilares da fé cristã? Acredito que existam pontos de reconciliação, desde que não se perca o foco da subordinação ao caráter soberano de Deus na história das narrativas bíblicas.
Em face da possibilidade de um longo processo de transmissão oral e reelaboração de fragmentos narrativos que posteriormente foram incorporados à redação canônica, surgiu no século 19 a teoria literária conhecida por Hipótese Documentária para explicar, por exemplo, a formação do Pentateuco. Fechando mais este enfoque, a visão dogmática da Bíblia - uma narrativa soberana unificada - cede lugar à identificação de diferentes mentes compositoras da narrativa em um mesmo livro bíblico.
A Hipótese exibe um texto composto de diferentes camadas literárias, havendo pelo menos quatro fontes de escritores copistas: Elohista (E), 900-850 a.C.; Javista (J), 960-930 a.C.; Deutoronômica (D), 621 a.C.; e Sacerdotal (P), 550-450 a.C.
Em síntese, fugindo do terreno ortodoxo, a teoria das condições literárias propõe a ação de quatro editores posteriores que teriam reunido tradições literárias orais e escritas na intenção de reconstruir a história primitiva de Israel; contudo, lembra-se, aqui, que a moderna crítica bíblica, adotada por correntes teológicas judaicas e cristãs, configura-se apenas em uma tentativa de arquitetura hipotética dos estágios de formação dos textos veterotestamentários.
Fontes:
SANTOS, Ismael dos. O nascimento de uma nação: breves notas sobre a história de Israel, - Blumenau: Nova Letra, 2009
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