“O Céu
revela por seu próprio modo de ser, a transcendência, a força, a eternidade. Ele
existe de uma maneira absoluta, pois é elevado, infinito, eterno, poderoso”. (Mircea
Eliade 1907-1986)
“Ganz
andere” é uma expressão inspirada pelas ideias do teólogo protestante
Rudolf Otto (1869-1937) e que aparece na introdução do clássico “O Sagrado e o
profano: a essência das religiões” de autoria de Mircea Eliade.
O
sentido da expressão aponta para aquilo que é grandioso e “totalmente
diferente”.
Em
relação ao “Ganz andere”, o homem tem o sentimento de sua profunda nulidade, o
sentimento de não ser nada mais do que uma criatura, segundo os termos com que
Abraão teria se dirigido ao Senhor – de não ser senão cinza e pó (Gen: 18:27).
“Ganz andere” se identifica com aquilo que o homem religioso interpreta como a
materialização extrema do sagrado.
Uma
experiência possível de ser experimentada ao se observar durante a noite a
imaginária esfera celeste com seus infinitos pontos luminosos.
Desde a
sua primeira publicação ao final dos anos de 1950, o livro de Eliade pode ser
considerado uma das obras mais lidas em todo o mundo pelos pesquisadores das
religiosidades e interessados no assunto.
Escrito
numa época em que não havia grandes motivos para prever o “fervor religioso” do
final de século, o livro de Eliade tem o mérito de concluir que conhecer a
história do homem religioso através dos tempos é conhecer a sua própria
história.
Uma das constatações da minuciosa pesquisa
realizada por Eliade, é que mesmo entre os que negam sua religiosidade, é
possível constatar procedimentos “religiosos” ocultos nas trevas do
inconsciente.
Uma das
questões mais interessantes discutidas pelo autor é sobre o “tempo sagrado”,
aquele que se materializa no imaginário religioso de muitas culturas e que se
renova a cada ano. Como a “eternidade” é um conceito espiritual muito
utilizado, mas de difícil definição, o “tempo sagrado”, também denominado por
algumas religiões de “tempo litúrgico”, tem a finalidade de estabelecer uma
“sequência de eternidades” periodicamente recuperáveis durante as festas
religiosas.
“O
homem religioso desemboca periodicamente no ‘tempo sagrado’ e reencontra o
tempo de origem, aquele que não decorre”, finaliza Eliade.
O
“tempo sagrado” torna a eternidade acessível aos que crêem.
No caso
do Cristianismo, a comemoração do nascimento de Cristo se identifica com o
“tempo sagrado” e pode ser considerada uma manifestação daquilo que foi
considerado “totalmente diferente” e que apesar de permeado por muitas
secularizações, funda uma nova situação para o homem no Cosmo.
Na celebração do
Natal, o mundo cristão teria a chance de se renovar reencontrando a cada novo
ano a santidade original.
Os
processos de secularização levaram o mundo a uma “modernidade líquida”, marcada
por “relacionamentos frouxos” que ameaçam dissolver a força simbólica do “tempo
sagrado”.
Porém
ele ainda se faz presente como testemunho de tempos imemoriais que antecedem o
próprio tempo do Cristianismo. As estrelas visíveis da esfera celeste continuam
a nos confidenciar segredos de um tempo longo, absoluto, infinito, eterno.
O “tempo sagrado” embora erodido na aparência
é indestrutível na essência e torna possível o tempo ordinário em que se
desenvolve toda a existência humana.
O “Ganz
andere” se ressignifica, resiste e indica sentidos para um mundo que ameaça
diluir-se.
REFERÊNCIAS:
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