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KANT, A EXPERIÊNCIA POSSÍVEL E A EXPERIÊNCIA IMPOSSÍVEL.




Introdução:


A presente síntese aqui descrita tem por objetivo esclarecer algumas das perguntas filosóficas basilares problematizadas no pensamento do filósofo de Königsberg, Immanuel Kant (1724-1804), nascido no Prússia e considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos.
Todavia é necessário ressaltar que todas as considerações aqui registradas foram analisadas e readaptas numa linguagem coloquial e acessível, oriunda das reflexões propostas pelo filósofo argentino José Pablo Feinmann que analisa e interpreta o pensamento kantiano.

Sumário:

1)    O que é que Kant se propõe a conhecer?

      De inicio quero relembrar as palavras iniciais do [1]intérprete de Kant que inicia a sua preleção lembrando que a filosofia é um ardoroso esforço em busca da “alegria do Saber”. É claro que com Kant essa busca pela alegria do saber requer um pouco mais de esforço para a compreensão, do que outros filósofos. Isto por que Kant é considerado um divisor de águas na filosofia. Tendo isso em vista é imprescindível apontar para o fato de que Kant parte de outro filósofo, aliás, é o próprio Kant que chega a dizer que foi lendo tal filósofo, que ele se despertou do seu sono dogmático. Estamos falando de David Hume.

       Mas, afinal o que Kant quer conhecer? O conhecimento? Se para alguns o conhecimento está para além da critica ou para aquém dela, para Kant a [2]crítica da razão pura implica em conhecimento da razão pura. No entanto, é necessário dizer que Kant diferentemente de Hume não parte do objeto para conhecer o mundo e sim do sujeito. Se para Hume as coisas ocorrem por hábito, isto é por causalidade e por que estamos acostumados a ver o mesmo efeito-causal, como por o exemplo as nuvens escuras (causa) o que me compele a concluir que virá chuva (efeito) em Kant essa análise transforma-se radicalmente. Em Hume e em sua empirio-causalidade logo se dirá: choverá , pois á análise do objeto, por repetidas vezes levará a crer que assim se sucederá como todas as outras vezes anteriores. Essa explicação não é toda suficiente para persuadir Kant, pois ele não quer repetir a explicação Humeana, na verdade ele quer fundamentar uma explicação que necessite muito mais do que a experiência, Kant está à procura de um método que explique cientificamente como funciona a razão humana. Então acontece aquilo que ele mesmo vai chamar de giro copernicano, por quê? Porque em lugar de partir do objeto, Kant vai partir do sujeito. Se para Hume era o objeto que dava fundamentação ao conhecimento, para Kant é o sujeito que tem a fundamentação na mente para conhecer o objeto. Isso equivale dizer que só há objetos para um sujeito conhecedor.                       
E é na razão humana que está à sensibilidade estética de espaço e tempo. Portanto é para ele que se apresenta o conhecimento que não está fora, mas sim dentro do sujeito. É necessário dizer que estamos falando de uma filosofia idealista que entende que é do sujeito que se constrói o objeto que constitui a realidade e não o seu contrário como propunha David Hume.

2)  O que é o mundo da experiência possível?

       Partirei da premissa, ou melhor, da fórmula Kantiana que não se preocupa muito com o que a realidade seja em si. O que é necessário saber é como o sujeito constitui ou constrói uma realidade para si. Por que só há objetos para o sujeito como já fora dito e isso significa dizer que é o sujeito que dá forma ao mundo que conhece tornando a experiência possível.
Nesse aspecto Kant e Descartes partem da subjetividade para o conhecimento do mundo com uma diferença. Descartes recorria à certeza da própria subjetividade, daí o emblemático jargão filosófico: "cogito ergo sum" (penso, logo, existo), eu existo por que penso, porém não tinha certeza da realidade externa, este preferia subalternizar a realidade fora do pensamento, isto é em Deus. Kant prossegue em frente propondo que o externo que se mostra fora só existe por que há um sujeito cognoscente. O mundo só tem uma forma por que o sujeito lhe dá uma ordem. É nesse sentido que Kant não recorre a Deus e não necessita da veracidade divina. Isso quer dizer que o mundo que o sujeito conhece é o mundo que o sujeito constrói.
Esse é o mundo da experiência possível o outro mundo é o da experiência impossível e esse mundo para Kant não interessa. Por que as coisas que são em si o sujeito não pode conhecer, o que o sujeito pode conhecer são as coisas que são para ele. Kant fez uma filosofia cuja preocupação era lógica-epistemológica e não ontológico-metafísica. Se Descartes precisava recorrer a metafísica para garantir que o mundo que se dá para a experiência é, de fato, real e não ilusório, um sonho, ou qualquer quimera, a rigor Descartes lança mão de uma prova da existência de Deus para garantir a realidade do mundo da experiência, da natureza, sendo justamente essa metafísica que Kant vai proibir em sua filosofia transcendental.
O que me obriga a dizer que Kant não se comove nenhum um pouco com a argumentação cartesiana, pois para ele o conhecimento começa na percepção (como o empirismo inglês já o havia ensinado).
Destarte, que a mente ou a consciência, só dão formas aos objetos que se lhe aparecem e toda programação da consciência nesse caso, é apenas formal e não material. O que equivale dizer que se não dá para tirar Deus da cabeça, por que essa possui indicações formais sobre as condições para o surgimento de objetos que se lhe aparecem necessitando tais condições da experiência para ser explicitadas, o que se pode empreender na filosofia Kantiana é que Deus ou a religião se restringem apenas aos limites da razão, sendo Deus portanto, para ele um ser que está sub (dentro) e não ob (fora) da mente o que significa afirmar que para Kant Deus é uma experiência possível para a consciência e impossível para ciência.
Mas o que é a coisa em si senão aquilo que é incognoscível para o homem?
Para compreendermos essa dinâmica é necessário nos reportarmos a Freud. Em Freud isto está trabalhado como inconsciente, isto é, aquilo que o homem não domina e que frequentemente domina o sujeito. Tendo em vista isto citaremos outro exemplo, o de Lacan que dicotomiza a realidade e o real. Para Lacan a realidade é o todo no mundo que está simbolizado. O mundo da simbolização costuma ser interpretado como a realidade. Basta olharmos para fora e veremos as placas indicando através dos símbolos a realidade, isto é, para onde vamos e o que devemos fazer. No entanto, o real não está simbolizado de acordo com Lacan, isto é, não está significado. Então surge a angústia, primeiro por que desconhecemos o nosso inconsciente (Freud) e depois não por que não sabemos o que é o real (Lacan), isto, por que detemos uma realidade simplesmente simbolizada. E ao contrário do Real, isto é, da não significação, temos o vazio, a ausência absoluta.
E aí retornamos para Kant, para compreender que a razão está calibrada para a presença e não há ausência. Isso equivale dizer que só existe o que existe nas categorias mentais do sujeito.



3)  Que relação entre sujeito e objeto propõe a filosofia Kantiana?


Quando falamos em objeto, principalmente em Hume temos que compreender que objeto é materialidade para ele. Todo conhecimento parte da experiência e sobre ela Kant também parte, com uma diferença, para ele o objeto empírico não é a materialidade, apenas o sujeito o é. Lembre-se que em Kant é o sujeito que torna categorialmente o conhecimento possível. Como falamos em categoria, o que seria mesmo, categoria?

No passado o termo categoria já havia sido utilizado por um filósofo que marcou a história do pensamento ocidental seu nome era Aristóteles.
Para ele o termo categoria não tem o mesmo sentido que Kant o dá, tal como: quantidade, qualidade, etc..., para ser mais claro as categorias aristotélicas eram fenomenológicas, isto é, aquelas dadas que já estão aí. Em Kant isso é completamente subjetivo, não são dadas, estão dadas no sujeito apenas nele.
A analogia comparativa do esquema constitutivo nos permite avaliar a seguinte questão, digamos que você se dirige a um artista e lhe proponha o seguinte, pinte a realidade. A pergunta é você acredita mesmo que ele seria capaz de o fazê-lo? Isto é de desenhar e pintar a realidade?  É claro que não, o artista não pinta a realidade como ela é o que ele faz é dar forma a realidade como ele á vê. Essa relação entre o objeto e o sujeito, portanto para Kant nada mais é do que a possibilidade de interpretação, onde o sujeito interpreta ou descreve o mundo como ele o enxerga e nunca como ele é.



4)  Que críticas recebe a filosofia constitutiva de Kant?
Como já dito é o sujeito cognoscente que dá forma ao mundo que só ele pode conhecer, não é por acaso que Kant vai dizer a “Razão dita as leis da Natureza”. Mas a pergunta é como sabemos isso?
São essas leis que ditam a natureza em si ou essas leis já estão postas no sujeito ao conhecer a natureza? Isto é claro que a natureza que o individuo conheci não é uma natureza em si, e sim para si, isto é, subjetivamente. Kant chama esse sujeito que conhece para si de sujeito [3]transcendental. Então esse é o idealismo filosófico que entroniza o sujeito e condiciona a matéria. Marx por exemplo discorda de tal proposta, pois para ele é o sujeito condicionado pela matéria sendo as ideias são reflexos da realidade concreta, essa é a história.

Portanto, Marx critica esse modelo de pensamento proposto por Kant. Mas a fenomenologia Husserliana também se impõe destacando que o sujeito está arrojado sobre a realidade não de um modo cognoscente senão existencial, assim também pensou Heidegger, Sartre. O que marca Sartre, por exemplo, é aquilo que ele vai chamar de ego ou sujeitos que não tem uma relação de conhecimento com o mundo, apenas existencial, o sujeito é um expectador no mundo, quando aparece o momento de reflexão em Sartre aparece o Eu, o eu é uma construção, justamente a reflexão é o que me impossibilita de alcançar o objeto.


By Paulo Mazarem

Referências:

Kant, la experiencia posible y la experiencia imposible. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=KIDU8HY3Kbo > Acesso: 16 Abr. 2015.
Entre Kant e Sartre. Disponível em < https://ressentimento.wordpress.com/2014/04/07/entre-kant-e-sartre/ > Acesso: 16 Abr. 2015.




[1] filósofo argentino José Pablo Feinmann.
[2] Critica em Kant não possui o significado coloquial que damos ao termo no dia á dia no sentido valorativo, para Kant “crítica” significa conhecimento alcance e limite da Razão Pura.
[3] Transcendental aqui não tem o significado trivial que lhe é atribuído como aquilo que foge do limite da experiência humana. Sujeito transcendental para Kant é a razão criando para o sujeito categorias para que o mesmo possa conhecer. 

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