Segue a interpretação de Ricoeur, extraído de um Blog:
Para
Paul Ricoeur o homem participava de duas dimensões: social e moral. Tanto em
uma como em outra, o que o definia como indivíduo era a "linguagem".
Linguagem que possibilitava o pensamento, a interpretar e dizer o mundo, e
também instituir o indivíduo. Para discorrer sobre o sujeito
social Ricouer constituiu o conceito de "mesmidade" e para
pensar o sujeito moral autônomo e independente,
o de "ipseidade".
Mesmidade
indicava o que tornava esse sujeito um ente social, da espécie humana, como era
dito pelos outros. Entravam em relevo as descrições definidas (forma de
categorizar o indivíduo e formar um núcleo social, ex: o garoto que faz as
tarefas, a garota que gosta de ouvir música, etc.), os nomes próprios (para
agregar em núcleos de parentescos, ex: Marcelo Sousa e Maria Sousa, etc.) e os
indicadores (o uso de pronomes que criam núcleos de relações, ex: pronomes: eu,
tu, ele, nós, etc; advérbios de lugar: aqui, ali, acolá; advérbios de tempo:
hoje, amanhã, agora, ontem; advérbios de modo: bem, mal, melhor, etc.).
Mas
o que diferenciava o indivíduo de todos os outros da sociedade? O que fazia com
que este fosse alguém singular e insubstituível? A sua ipseidade.
Ipseidade
seria aquilo que caracteriza o indivíduo como ser único, singular, como nenhum
outro era, o que o mesmo dizia de si. Para tal era necessário às narrativas e
as promessas. As narrativas seriam a história de vida contada pelo indivíduo e
que o distinguia de todos os demais, enquanto as promessas seriam a junção
entre a fala e a atividade correspondente. Nesta última teríamos como conhecer
o indivíduo pela maneira como fala, sobre o que fala, sobre a relevância dessa
e o cumprimento.
Ricoeur
reconhecia a influencia da natureza, da educação (Durkheim) e de nossas escolhas
(subjetividade) e propunha um caminho ético pautado pelo cuidado de si mesmo
levando em conta a linguagem, a história de vida e a concomitância entre a fala
e a ação.
CONTESTAÇÃO:
É interessante
problematizar a questão referente à ipseidade, até por que conforme Arthur
Rimbaud: “Eu sou um outro”, isto significa que a ipseidade do Eu comunga com a
alteridade do ambiente e do sujeito.
De
maneira que em psicanálise, por exemplo, não existe identidade e sim identificação,
o que equivale dizer que identidade pode ser pensada em sentido étnico ou religioso,
mas nunca subjetivamente, o que pressupõe que o meu Eu é fruto de outros Egos.
Não obstante, Ipseidade a meu ver é uma invenção conceitual, que me faz ser eu, não a partir
de mim mesmo, mas de outros, até por que a ipseidade do sujeito moral de Ricoeur,
pode ser desconstruída por um simples olhar antropológico.
Se
para Kant moral é aquilo que pode ser
universalizado, a pergunta é para quem isso é universalmente moral, para o
universo cristão ou para todos os povos da terra.
Todos
devem saber que Ricouer forma-se em contato com as ideias do existencialismo,
do personalismo e da fenomenologia. A problemática da simbólica do mal, por
exemplo, leva Ricouer ao tema da linguagem, ou melhor, ao projeto da construção
de uma grande filosofia da linguagem. Projeto que encontra seus inícios com um
escrito sobre Freud: Da interpretação. Ensaio sobre Freud (1965).
A
psicanálise interpreta a cultura e simultaneamente a modifica; assim como marca
duravelmente a própria ideia de consciência. A realidade é que Freud, junto com
Marx e Nietzsche, são mestres da suspeita, que levaram a dúvida para
dentro da fortaleza cartesiana da consciência:
-
para Marx não é a consciência que determina o ser, mas é o ser social que
determina a consciência;
-
para Nietzsche a consciência é a máscara da vontade de poder;
-
para Freud, finalmente, o Eu é um infeliz submisso aos três patrões que são o
Id, o superego e a realidade ou necessidade.
Se
levarmos em conta Lacan para qual não existe o real, mas apenas a realidade poderíamos,
supor que a humanidade objetiva nos símbolos, nas diversas formas simbólicas,
os significados e os momentos mais importantes da vida e da sua história, dai
se quisermos interpretar o homem na sua ipseidade é necessário não o meio
(Marx), não os poderes (Nietzsche), muito menos sua consciência inconscientes,
mas sim a sua estrutura.
Isto
é não é apenas ‘crer para ouvir a interpretação’ (Ricouer), mas é interpretar a
mensagem para compreender a ipseidade seja ela moral, social, religiosa que se
interconecta em sua totalidade a partir da sua estrutura.
Trata-se
precisamente dos usos elaborados por pensadores como Lévi-Strauss, Althusser, Foucault
e Lacan, que voltando-se contra o existencialismo, o subjetivismo idealista, o
humanismo personalista, o historicismo e o empirismo grosseiramente
factualista.
Em
poucas palavras, os estruturalistas pretenderam inverter a direção em que
andava o saber sobre o homem, decidindo destronar o sujeito (o eu, a
consciência ou o espírito) e suas celebradas capacidades de liberdade,
autoderminação, auto-transcendência e criatividade em favor de estruturas
profundas e inconscientes, onipresentes e onideterminantes.
Para
sintetizar, podemos dizer que, para o estruturalismo filosófico, a categoria ou
ideia de fundo não é o ser, mas a relação; não é o sujeito, mas a estrutura.
Retomando
a ideia de moralidade cristã (Kant) e imoralidade barbará ou primitiva, que aqui
se opõem, é como Mauss (sobrinho de Durkheim) que Strauss aprende a considerar
o “mundo primitivo” como algo que não tem nada de irracional pelo contrário, existe
uma razão oculta que guia estrutura o caos.
Portanto,
a ipseidade Ricoureana não se basta em si mesma quando analisa pelas lentes estruturalistas, tornando-se facilmente relativizada
e, portanto não universalizável.
RETRATAÇÕES
O principal não é reencontrar detrás e sob o texto a intenção subjetiva do autor- e toda a hermenêutica que pretenda isto, como a de Scheleiermacher ou de Dilthey, está ainda de alguma maneira presa das aporias da subjetividade e insere-se ainda dentro da tradição de um filosofia do Sujeito - o principal é sim explicitar, frente ao texto e a partir do texto, o mundo que ele abre, descobre e desvela.
Retificando o já dito, (pois isso é o que vale) a Ipseidade da qual Ricoeur descreve na verdade não tem a intencionalidade de elevar a condição do ente enquanto detentor absoluto da interpretação, pelo contrário o "dasein" de Heidegger atrelado ao devir ontológico da interpretação propõe uma desconstrução dinâmica de qualquer epistemologia centrada no ser cartesiano, configurando possibilidades hermenêuticas nos saberes.
Toda filosofia é hermenêutica. Todo texto é uma metáfora. Todo dito (símbolo) é dotado de excesso de sentido, toda hermenêutica é fenomenológica, o que significa que antes de pensarmos o mundo já temos o mundo e já estamos no mundo. Já pertencemos ao mundo antes de ele nos pertencer a nós e antes de o dominarmos. Também já somos e já temos história e tradição antes de o pensarmos".
Porque, para Ricoeur todas as interpretações, ainda que conflituosas ou mesmo contraditórias, são igualmente válidas. A compreensão é sempre mediada por uma interpretação, isso se verifica, por exemplo nas conversações nossas de cada dia.
Quando não compreendemos espontaneamente o que o outro diz pedimos-lhe uma explicação, perguntamos-lhe o que quer dizer, e a explicação que ele nos dá permite-nos compreender melhor. E isto procede toda a exegese e toda a filosofia!
Portanto, é inútil uma interpretação exata pela via protológica ou escatológica das coisas, isto por que a compreensão é mediada ou mediatizada por uma interpretação ou interpretações que o situem entre os dois pólos o que não significa necessariamente confusão, pelo contrário elas as interpretações são instigadoras para uma melhor compreensão que deve ser precedida por duas vias.
A via longa e a via curta. No primeiro caso temos a linguagem que estando no mundo bem como o homem se dizem e se dizem ao ápice da ontologia, aliás é ela a ontologia que anima toda a compreensão e na segunda via chamada de curta temos o encurtamento das distâncias, isto por que a linguagem é abertura ao ser e já está diretamente ligado a ele, liga a ele por um devir. Sempre sujeita a modificações por seu dinamismo.
Destarte, que é a interpretação que leva, assim, ao conhecimento indireto da nossa existência, pois o texto é interpretado para compreender a existência que o o próprio texto expressa e fixa. O que equivale dizer que o sujeito que se interpreta e compreende ao interpretar os sinais já não é o cogito; é o existente que se descobre, pela exegese da sua vida, posto no ser antes mesmo de se pôr e de se possuir. (Existir é ser interpretado).
O cogito cartesiano não é mais senhor do pensante, nem da episteme, muito menos da monocultura, isso equivale dizer que o cogito, ego do ego está num beco sem saída, é como se a consciência só existisse em decorrência de sua existência sendo determinada por ela, a vida como diria o mestre da suspeita Marx, o que não significa exaltar o sujeito existente, mas sim reposicionar-lhe no mundo com as mais distintas possibilidades de interação a fim de situar-lhe acima de qualquer determinismo epistemológico.
Assim fica justificada, a escolha de Ricoeur em seguir a vida longa e não uma via curta como faz, por exemplo Heidegger, fundando uma ontologia da compreensão e instituindo o compreender como modo de ser e não como modo de conhecer. (apud, Ricoeur: 10).
Aqui acho justo tomar por auxiliar o filósofo americano John R. Searle quando diz que há uma fonte de confusão enorme na nossa cultura intelectual, entre as distinções de sentido epistêmico e sentido ontológico.
O Sentido epistêmico tem a ver com os diferentes tipos de afirmação de conhecimento. Já o sentido ontológico tem a ver com os modos de existência. No sentido epistêmico, a distinção é sobre afirmações: uma afirmação é objetiva se sua verdade ou falsidade pode ser formulada de forma independente das opiniões e atitudes dos proponentes da afirmação. É subjetiva, se ocorrer o contrário.
Assim, a afirmação de que Van Gogh morreu na França é epistemicamente objetiva. Já a afirmação de que Van Gogh é um pintor melhor do que Manet é epistemicamente subjetiva.
No sentido ontológico, uma entidade tem existência objetiva se ela existe independentemente de qualquer sentido humano.
Tem uma existência subjetiva se ela só existir como experiência de um sujeito humano ou animal. Assim dores, cócegas e coceiras são ontologicamente subjetivas, ao passo que montanhas, moléculas e placas tectônicas são ontologicamente objetivas. A confusão era enorme ao supor que, uma vez que a ciência é objetiva e a consciência é subjetiva, poderia haver uma ciência da consciência.
Essa é a confusão entre o sentido epistêmico e o ontológico. Isso nos leva a premissa de que epistemicamente falando, a ciência é de fato objetiva na medida em que procura encontrar verdades que são independentes dos sentimentos e atitudes de investigadores particulares.
Mas a subjetividade ontológica de um domínio não nos impede de ter uma ciência epistemicamente objetiva desse domínio. A consciência é realmente subjetiva, ontologicamente, mas isso não nos impede de ter uma ciência epistemologicamente objetiva da consciência. Na verdade, estamos trabalhando na criação de uma tal ciência agora.
RETOMANDO RICOUER
A hermenêutica de Gadamer aproxima-se de Betti, quando julga não poder dispensar-se de colocar questões metodológicas, o que, aliás, o leva ao diálogo com as ciências e a aparentar-se de Dilthey. A hermenêutica de Ricoeur tenta manter um equilibrio dialético entre explicar e compreender, superando assim a oposição de Gadamer entre Verdade e Método.
Por isso também, esta hermenêutica filosófica, que segue a via longa, permite e resiste a tentação de separar o conceito de verdade do conceito de método (apud, RICOEUR, 1969: 15, 19), tal como faz Gadamer, e não se pode dispensar de pôr algumas questões e preocupações metodológicas.
Assim, sendo o grande problema central da hermenêutica é a o problema da compreensão como já dito.
Enfim, Ricoeur é um daqueles pensadores multidisciplinares que alberga em seu pensamento o mais expressivo repertório holístico para compreensão, isto é, para interpretação do cosmos, partindo da compreensão do sujeito, da experiência, do tempo e do texto para melhor sinalizar sua hermenêutica.
By
Paulo Mazarem
Referências:
Mesmidade e Ipseidade. Disponível
em <http://universodesofos.blogspot.com.br/2009/11/mesmidade-e-ipseidade.html.
Acesso: 21 Abr. 15.
REALE, Giovanni; ANTISERI,
Dario. A História da Filosofia. V. 6; de Nietzsche à Escola de Frankfurt, 2ª
ed. Paulus, 2008. p. 269
REALE, Giovanni; ANTISERI,
Dario. A História da Filosofia.
V. 7; de Freud à atualidade, 3ª ed. Paulus, 2011. p. 81-92
RICOEUR, Paul. Le conflit des Interpétations, Essais d'Herméneutique, Paris, ed. Du Seuil. 1969.
V. 7; de Freud à atualidade, 3ª ed. Paulus, 2011. p. 81-92
RICOEUR, Paul. Le conflit des Interpétations, Essais d'Herméneutique, Paris, ed. Du Seuil. 1969.
SEARLE, JOHN R. Linguagem e Consciência. conhecimento Prático, São Paulo, n. 35. ISSN19834-1388.
Benilton Bezerra Jr: Corpo,
Mente, Mundo, Psicanálise e Budismo. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=DsaXlMnfaiQ>
acesso: 21 Abr. 15.
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