Da erudição familiar, (pelo menos no que
diz respeito ao ambiente onde Sartre pode acumular seu imenso capital cultural)
à École Normale Supérieure - Paris, Sartre mais do que uma testemunha de seu
tempo foi também aquele que no dizer de Nietzsche proscreveu sua vontade de
potência, (ao trazer novamente a consciência humana para centro de todas as
coisas), traduzindo para o homem de seus dias, (ainda que deslocado filologicamente
daquilo que Nietzsche chamava de “moral de rebanho”), uma filosofia de
emancipação, podendo aqui ser vinculada aos proletários (trabalhadores) dado a sua simpatia pelo
socialismo (que mais tarde também romperia) e ao mesmo tempo dado o pensamento
burguês meio do qual este emergirá. O fato é que o próprio Sartre conviveu com
a burguesia, mas escreveu contra a burguesia, protestando contra o
autoritarismo tão bem representado pelas atitudes tradicionalistas de seus
contemporâneos e conterrâneos, isso nas décadas de 1950 e 1960 na França,
culminando na derrocada do governo conservador e a instauração de um clima mais
liberal em toda França.
A
Existência [...]
Logo, Sartre percebeu que sua vontade de
liberdade estava genealogicamente amparada numa espécie de protoexistencialismo que o antecedia, isso por que no século IV a.C
Aristóteles já havia feito a pergunta: “Como devemos viver?” Não só
Aristóteles, mas Soren Kierkegaard, com tonalidade pré-existêncialista escreve “Ou
isto, ou aquilo”, explorando o papel desempenhado pela escolha na moldagem de
nossas vidas. Porém, a grande influência no pensamento Sartreano, viera de um
filósofo alemão chamado Martin Heidegger que afirmava que o importante é nossa
relação com a existência.
No entanto, é necessário reafirmar que o
grande vestígio do pensamento liberal desmitificado de Sartre, vem de
Parmênides e Sócrates.
De Parmênides por que para o pai da
ontologia no ocidente o Ser é uno, eterno e imutável e este ser é o pensamento,
e de Sócrates por que no diálogo com Eutífron, Sócrates (um divisor de águas da
filosofia) vai propor uma ética desdivinizada, isto é, uma ética sem deus (es).
No diálogo com Eutífron, Sócrates
maiêutiza a cada pergunta parideira de novos saberes que ser justo por
recorrência a uma divindade é pautar a própria justiça à injustiça da contradição,
pois nem os deuses são tão justos assim. Ora, se eles (os deuses) não são
justos a ponto de serem paradigmas para o comportamento (ethos) humano, então
toda essa valoração, isto é, o modus vivendi humano deve ser pautado por
valores humanos e não transcendentais o que equivale dizer que não devemos ser
Justos pela subserviência credal ao metafisico e sim justos tendo à própria
justiça como justeza (medida).
Essa ruptura de Sócrates com a crença
pré-socrático religiosa garantiu-lhe duas coisas. A primeira foi o cálice de
cicuta e a segunda foi o titulo de pai da ética no Ocidente.
Retomando
Sartre [...]
O fato é que a influência de Sartre
vinda de Descartes, na verdade é precedida por este, que ressignifica o
pensamento grego por meio de uma ontologia pensante, atualizada por Platão
(discípulo de Sócrates) e cristianizada por Agostinho que influência o
pensamento “Cartesiano”. Não
esqueçamos que a questão de interesse de Sartre está puramente na liberdade que
não é um ser; ela é o Ser do homem, só que aqui não mais no pensamento
unicamente, mas na consciência, a consciência que vem a ser existência ou o
homem, esse é o ser que É, absolutamente Livre.
Não obstante, o que pesa ao se pensarmos
na influência cartesiana no pensamento Sartreano é a contextualização de uma
divisão histórica ocorrida no final do século XVIII pelo filósofo de Königsberg.
Basta lembrarmos que até Kant a filosofia era ontológico-metafísica e à partir
de Kant reinterpretada para uma filosofia lógico-epistemológica. Destarte que
poderíamos hipoteticamente afirmar que Sartre recebe influência de Kant pela
perspectiva “epistemológica” (Sapere Aude) e Cartesiana pela via ontológica.
Com isso quero dizer que o homem enquanto ser (ontológico) é consciente
(epistemológico) de sua condição no mundo, isto é, condenado a ser Livre.
[...]
precede a essência.
Ora, a existência precede essência para
Sartre, exatamente pelo fato de se admitir o nosso bem mais precioso, a
liberdade.
Mas, afinal de contas o que é que Sartre quis dizer com existência que
precede a essência?
Para entendermos essa máxima
existencialista é necessário relembrar como já dito que Sartre parte da
subjetividade pura, isto é, do cogito cartesiano, “Penso, logo Existo”. O que
em síntese parafraseando significa que existimos não por causa de nossa
finalidade ou essência, nossa existência precede qualquer teleologia, pois quem
dá sentido ao fim último, é o homem puramente “eu” (liberdade).
Como Sartre não está preocupado com
metafísica, uma vez que Deus para ele não existe, o que deve nortear o modus
vivendi humano é o “eu onipotente e consciente”. É exatamente aqui que recai
toda a reflexão ética da psicologia, da religiosidade e do humanismo, porque se
Deus não existe como dissera Dostoiévski em os irmãos Karamazov “Nada é imoral.
Tudo é lega, até o crime”.
No entanto, é exatamente sobre essa
premissa que Sartre vai sustentar a tese de que existencialismo é humanismo e
que esse não está desassociado de valores, pelo contrario, a liberdade proposta
pela sua corrente de pensamento corrobora a responsabilidade humana ante a
existência.
Destarte, que toda ética humana é
entregue a responsabilidade subjetiva do eu, não sendo mais cabível ou
justificável qualquer sucesso ou insucesso na vida, isso significa que sem Deus
para nortear as ideias de certo e errado, o homem está só, livre e sem
desculpas nem para si nem para os outros.
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