Como cientistas da religião
temos de conviver com a polissemia conceitual que é própria de nossa disciplina
que oferece como características a multiplicidade e a diversidade dos saberes e
fazeres. Deste modo ao analisar o mito encontramos múltiplas concepções e
sentidos que fazem (ou melhor tornam) (d)o mito muito mais do que uma narrativa
traditiva de um povo, na verdade o mito pode ser o nada que é tudo e o tudo que
é nada. Eles surgem para explicar as origens (mito etiológico) dos deuses (mito
teogônico), do universo (mito cosmogônico), da humanidade (mito antropogônico),
da redenção da espécie humana (mito soteriológico) e do fim último (mito
escatológico). Portanto não há consensualidade entre os pesquisadores de um
sentído unívoco do mito.
Para o mitólogo Mircea
Eliade:
Viver
os mitos implica, pois, uma experiência verdadeiramente religiosa, pois ela se
distingue da experiência ordinária da vida quotidiana. A religiosidade dessa
experiência deve-se ao fato de que, ao reatualizar os eventos fabulosos,
exaltantes, significativos, assiste-se novamente às obras criadoras dos Entes
Sobrenaturais; deixa-se de existir no mundo de todos os dias e penetra-se num
mundo transfigurado, auroral, impregnado da presença dos Entes Sobrenaturais.
Não se trata de uma comemoração dos eventos míticos, mas de sua reiteração. O
indivíduo evoca a presença dos personagens dos mitos e torna-se contemporâneo
deles. Isso implica igualmente que ele deixa de viver no tempo cronológico,
passando a viver no Tempo primordial, no Tempo em que o evento teve lugar pela
primeira vez. É por isso que se pode falar no "tempo forte" do mito:
é o Tempo prodigioso, "sagrado", em que algo de novo, de forte e de
significativo se manifestou plenamente. Reviver esse tempo, reintegrá-lo o mais
freqüentemente possível, assistir novamente ao espetáculo das obras divinas,
reencontrar os Entes Sobrenaturais e reapreender sua lição criadora é o desejo
que se pode ler como em filigrana em todas as reiterações rituais dos mitos.
(ELIADE, 2013, p. 22)
Percebe-se claramente em
Mircea Eliade que o mito está atrelado a uma espécie de experiência religiosa
que se perpetua, por meio de uma ritualística, onde o rito atualiza o mito na
religião. Assim sendo, ele serve para reviver uma realidade primeva. Deste modo
observa-se que realidade e mito estão conectadas, não sendo o mito por meio
dessa perspectiva uma fábula ou um lenda como algumas escolas do pensamento racionalista
quiseram sublinhar. Para Jean-Pierre Vermant (2006, p. 26):
Nesse sentido, o
mito, sem se confundir com o ritual nem se subordinar a ele, tampouco se lhe
opõe tanto quanto já se disse, Em sua forma verbal, o mito é mais explícito que
o rito, mais didático, mais apto e inclinado a "teorizar". Dessa
forma, traz em si o germe daquele" saber" cuja herança a filosofia
recolherá para fazer dele seu objeto próprio, transpondo-o para outro registro
de língua e de pensamento: ela formulará seus enunciados utilizando vocabulário
e
conceitos desvinculados de qualquer referência aos deuses da religião comum, o
culto é menos desinteressado, mais envolvido com considerações de ordem utilitária.
Mas nem por isso é menos simbólico. Uma cerimônia ritual desenrola -se segundo
um roteiro cujos episódios -são tão estritamente ordenados, tão cheios de
significação quanto as seqüências de uma narrativa. (VERNANT,
2006, p. 26)
De
acordo com Barthes:
Já que o mito é uma
fala, tudo pode constituir um mito, desde que seja suscetível de ser julgado
por um discurso. Será necessário, mais tarde, impor a esta forma limites
históricos, condições de funcionamento, reinvestir nele a sociedade: isso não
impede que seja necessário descrevê-la de início como uma forma (BARTHES, 1987,
p. 131).
Se o rito atualiza o mito e
o mito se dá pela oralidade, isto é pela “fala”, cujo discurso sustenta
explicações de realidades, associar o mito com a ciência não seria incoerente, Levi-Strauss (1978, p. 37) diz que o pensamento
mitológico desempenha o papel de pensamento conceitual, utilizando imagens
tiradas de experiências. Logo, a seu ver, não haveria separação total entre
ciência e mito.
Uma vez que os caminhos para se explicar certas realidades são distintas e cujo fim tornan-se verossimilhantes. Do Big-Bang ao mito criacionista judaico-cristão, por exemplo, temos o discurso como leitmotiv que sustenta ambas as crenças. Logo, essas aproximações não escapariam do olhar epistemológico de um epistemólogo francês chamado Edgar Morin, como se Lê:
Uma vez que os caminhos para se explicar certas realidades são distintas e cujo fim tornan-se verossimilhantes. Do Big-Bang ao mito criacionista judaico-cristão, por exemplo, temos o discurso como leitmotiv que sustenta ambas as crenças. Logo, essas aproximações não escapariam do olhar epistemológico de um epistemólogo francês chamado Edgar Morin, como se Lê:
Acreditou-se
no século XIX e no começo do século XX que a promoção das ideias laicas
correspendia à evolução necessária e progressiva do mito à razão, da religião à
ciência; o desaperecimento gradual dos mitos bioantropomorfos e o estreitamento
da área religiosa deviam completar-se, o que corresponderia ao triunfo das
verdades positivas, racionais e científicas. Ora, essa concecepção, que Augusto
Comte formulou como lei evolutiva, era um mito e, de resto, Comte teve a
loucura genial de coroar a era positiva com uma nova religião, concreta e
universal, na qual a adorada Clotilde de Vaux encarnava a Humanidade-Mátria. (MORIN,
2011, p. 173)
Do mito a ciência, da priori a posteriori a pergunta sempre ganha folêgo e retumbância, haveria o
homem hodierno superado o mito com o desencantamento do mundo (Weber) ou o
mundo se re-encanta com os ritos-mitos, re-significando-os em outras
modalidades e explicações de realidade que transcendem aqueles que até o dado
momento foram elaboradas com outras lógicas e racionalidades?
Essa é uma resposta difícil de se dar, como problematizado inicialmente e creio que a discussão é ad infinitum. Freud perguntava-se, mais ou menos na época (1933), se a própria teoria científica não era mitológica. (apud, Morin, 2011, p. 174). Nota-se que essas são algumas das contradições que comportam o tema proposto.
Essa é uma resposta difícil de se dar, como problematizado inicialmente e creio que a discussão é ad infinitum. Freud perguntava-se, mais ou menos na época (1933), se a própria teoria científica não era mitológica. (apud, Morin, 2011, p. 174). Nota-se que essas são algumas das contradições que comportam o tema proposto.
Enfim, seria difícil
encontrar uma definição do mito que fosse aceita por todos os eruditos e, ao
mesmo tempo, acessível aos não-especialistas. (Eliade, 2013, p. 11).
REFERÊNCIAS:
BARTHES,
R. Mitologias. [tradução R. Buongermino e P. de Souza]. 7.ed.
São Paulo: Bertrand Brasil-Difel, 1987.
ELIADE,
Mircea. Mito e Realidade. [tradução
Pola Civelli]. – São Paulo: Perspectiva, 2013.
LEVI-STRAUSS,
C. Mito e significado. [trad.
A. M. Bessa]. Lisboa: Edições 70, 1978.
MORIN,
Edgar. O método 4: as ideias: habitat, vida,
costumes. Organização Juremir da Silva. 5. Ed. – Porto Alegre: Sulina,
2011.
VERMANT,
Jean-Plerre, Mito e Religião na Grécia
antiga; tradução: Joana Angélica D' Avila Melo. - São Paulo: Martins Fontes,
2006.
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