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ECCE HOMO- O SAGRADO




Paulo Mazarem*

"Quem experimenta a Beleza está em comunhão com o sagrado". Rubem Alves

           
Antes de tudo é necessário ressaltar que o sagrado e a fenomenologia, método que propõe análisar as multiplas interpretações do dado (fenômeno) tem por critério, observar o modus operandi, i, e, o modo em que ele (sagrado) se faz perceber nas mais distintas tradicões espirituais e culturais da terra, para daí suspender as respectivas significações dadas pelo sujeito para o enunciado, sinalizando a intencionalidade do dito, para assim constatar-se que a consciência é intencionalidade[1]. “De modo que o expressar da fala não está, pois, nas meras palavras, mas nos atos que exprimem, sendo todos os atos exprimíveis”. (HUSSERL, 1988, p. 13; 15).
O documentário Ecce Homo- O sagrado[2] mostra que sagrado pode ser palavra, objeto ou experiência, condicionada a um tempo, lugar e espaço.
De acordo com Robert Sokolowski[3] é necessário fazer duas distinções para entender fenomenologia, i, e, devemos tomar duas atitudes.


Devemos distinguir a atitude natural da atitude fenomonológica. A atitude natural é o foco que temos quando estamos imerso em nossa postura original [...] a atitude natural é [...] a perspectiva padrão, aquela da qual partimos, aquela em que estamos originalmente. A atitude fenomenológica, por outro, lado é o foco que temos quando refletimos sobre a atitude natural e todas as suas intencionalidades que decorrem dentro dela. É dentro da atitude fenomenológica que levamos a cabo as análises filosóficas. (Sokolowski, 2004, p. 51)



Assim sendo, poderiamos dizer que o sagrado está inclusive no não sagrado, pois, o que é sagrado para um individuo, sujeito ou pessoa, não é necessáriamente sagrado para o outro e assim sucessivamente, tendo em vista, grupos, clãs, povos e sociedades, o que axiológicamente permite-nos dizer que até o sagrado pode ser posto entre parênteses, sendo exclusivamente a consciência a realidade mais evidente, isto é, nulla re indiget ad existendum (= não precisa de nada para existir). (ANTISERI, D; REALE, G, 2008, p. 180) Ora, com isso não quero inculcar um relativismo, mas sublinhar o fato de que tal percepção só é possível, mediante o feedback entre a atitude natural e fenomenológica que iniciasse via époche[4], chamada pelo pai da fenomenologia, Edmund Husserl[5] de resíduo fenomenológico, o mesmo que consciência ou a subjetividade.
Não menos importante que essa consideração, é lembrar que entre a experiência, consciência e fala está sempre um sujeito que (enuncia e comunica a posteriori) é afetado por uma objetividade que  plasma-lhe sua intencionalidade subjetiva. Embora a experiência forneça os dados de fato, elas devem ser postas em suspensão, uma vez que não são os dados de fato que a fenomenologia se propõe a estudar e sim a essência das coisas (eidos). Logo, o senso comum, enunciado pela empiria de qualquer sujeito deve ser problematizado, uma vez que a ideia é refinar o dado, o acontecimento e a experiência, seja com o tempo ou espaço, para se chegar a realidade (realität) ou a possibilidade que só a consciência pode conhecer. Essa relação entre fenomenologia e sagrado permite-nos acessar hermenêuticas que traduzem o “sagrado” como algo que é imanente (família, natureza, fogo, água, morte, criança, a vida), mas que ao mesmo tempo é transcendente (numinoso, hierofania, teofania, etc...) e mediativo (sacerdote, xamã, gurus, pajé, cientista) que através do mito fé-razão e ciência personificam modalidades que põe o homem cotidiano frente ao inaudito, ao incomum, i, e, ao extraordinário. 
Tudo isso perpassa aquela velha tríade: de onde viemos? Para onde vamos e quem somos?
Portanto o  sagrado supera aquela relação própriamente metafísica, encarnando-se em múltiplas concepções cosmovisionárias estando intrinsicamente amarrada a experiencia do passado, do presente e do futuro.




* Cientista da Religião (USJ), Teólogo (FATECAMP) com Ênfase em Teologia Sistemática (FACASC). 
[1] HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas: sexta investigação: elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento; seleção e tradução Zeljko Loparic e Andréa Maria Altino de Campos Loparic´. – São Paulo: Nova Cultural, 1988. 
[2] Ecce Homo- O Sagrado. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=5ecFa-ah_8U > acesso em: 24 Set. 16.
[3]  Sokolowski, Roberto. Introdução à Fenomenologia. – São Paulo:  Edições Loyola, 2004.
[4] Epoché é a transliteração do termo usado pelos céticos gregos para indicar a suspensão do juízo.
O termo grego quer dizer “suspensão do consentimento” ou do “juízo” típica da atitude do ceticismo antigo, e, particularmente, de Pirro. Dentro do pensamesento contemporâneo, a epoché é o conceito fundamental da fenomenologia de Husserl. A epoché é a suspensão, a colocação entre  parênteses, das convicções científicas ou filosóficas, ou também das crenças do senso comum que não resistem a dúvida, que não são indubitáveis, que não exibem a marca da certeza incontestável. ANTISERI, D; REALE, G. História da Filosofia. De Nietzsche à Escola de Frankfurt. Vol. 6, 2ª edição. – São Paulo: Paulus 2008. p. 176
[5] Edmund Husserl (1859-1938). Discipulo de Brentano e professor de filosofia em Göttingen  e Friburgo, Husserl deu início ao movimento filosófico denomiinado “fenomenológico” com a publicação, em 1900, das suas célebres Investigações lógicas. O ponto de partida dêsse moivmento foi a reação contra o “psicologismo” da cultura moderna e a reabilitação da lógica como ciência fundamental da filosofia.                                                                                                                                                 SANTOS, T. M. Manual da Filosofia. 16ª edição, - São Paulo, Companhia Editora Nacional, p. 472 

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