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QUANDO O MITO SE TORNA HISTÓRIA

   

   Paulo Mazarem*

FICHAMENTO DO TEXTO DE LÉVI- STRAUSS


O tema apresenta dois problemas para o mitologista. O primeiro é um problema teórico de grande importância, porque, quando se examina o material publicado na América do Sul, na América do Norte e em outras partes do mundo, parece que esse material é de duas espécies. p. 34
As vezes os antropólogos recolheram mitos [...] histórias desconexas [...] outras vezes, como na região dos Vaupés, na Colômbia, encontram-se histórias mitológicas muito coerentes, todas divididas em capítulos, que se seguem uns aos outros numa ordem mitológica. p. 34

Tem-se precisamente o mesmo problema com a Bíblia, por que parece que o seu material de base era formado por elementos desconexos que depois foram reunidos por filósofos conhecedores para tecer uma história contínua. p. 34

O segundo problema, embora ainda teórico, é de natureza mais prática. No passado, digamos nos fins do século XIX e nos princípios do século XX, o material mitológico era recolhido principalmente pelos antropólogos, isto é, pessoas do exterior [...] especialmente do Canadá. p. 35

[...] por exemplo, Franz Boas, que tinha um colaborador Kwakiutl, George Hunt [...] nasceu de pai escocês e de uma mãe tlingit, mas foi criado como kwakiutl e identificou-se completamente com sua cultura. p. 35

[...] Para os textos Kwakiutl publicados e traduzidos por Boas, encontramos mais ou menos a mesma organização da informação, porque  é a recomendada pelos antropólogos: por exemplo, ao princípio, mitos cosmológicos e cosmogônicos, e depois o material que se pode considerar como tradição lendária e histórias de família. Começada essa tarefa pelos antropólogos, [...] depois índios, o problema é este: onde acaba a mitologia e onde começa a história?  p. 35, 37

[...] ora se comparamos duas histórias [...] acabamos por encontrar semelhanças e diferenças. p. 37

[...] para o antropólogo, o seu principal interesse está em ilustrar as características de um tipo de história amplamente diferente da nossa [...] a história tal qual escrevemos é praticamente, e inteiramente, baseada em documentos escritos [...] p. 37

[...] temos os livros de Marius Barbeau, que não era evidentemente indígena, mas que tentou coligir material histórico ou semi-histórico, tornando-se porta-voz dos seus informadores nativos; produziu, por assim dizer, sua própria versão daquela mitologia. p. 36

Ora, o que me espanta, quando os tento comparar, é que ambos principiam com o relato de um tempo mítico ou talvez histórico não sei se um, se outro, ou quiça arqueológico seja adequado. p. 38

[...] havia uma grande cidade gire Barbeau referiu com o nome de Tenlaham [...] a cidade foi destruída, [...] os sobreviventes deixaram o local e começaram a sua peregrinação ao longo do Skeena. Na verdade , isto pode ser um relato histórico, mas, se analisar mais de perto o modo como é explicado, verifica-se que o tipo de acontecimento é o mesmo, mas que difere quanto aos pormenores. p. 38

O que se descobre ao ler estes livros é que a oposição simplificada entre Mitologia e História [...] não se encontra bem definida, e que há um nível intermédio. A mitologia é estática: encontramos os mesmos elementos mitológicos combinados de infinitas maneiras, mas num sistema fechado, contrapondo-se à história, que, evidente é um sistema aberto. p. 39

[...] no fundo é um tipo de material que pertence à herança comum ou ao patrimônio comum de todos os grupos, de todos os clãs, ou de todas as linhagens, uma pessoa pode todavia conseguir elaborar um relato original para cada um deles. p. 39

Quando tentamos fazer história científica, fazemos porventura algo científico ou adotamos também nossa própria mitologia nessa tentativa de fazer história pura? p. 39

Quanto a este ponto, poderíamos pensar que é impossível que dois relatos que não são idênticos, nem o mesmo, possam ser verdadeiros ao mesmo tempo, mas apesar de tudo eles parecem ser aceites como verdade em alguns casos, com a única diferença de que um relato é considerado melhor e mais pormenorizado do que o outro. p. 40

Portanto, a minha impressão é que, estudando cuidadosamente [...] no sentido geral da palavra, que os autores indígenas contemporâneos nos tentam dar do seu passado, não a considerando um relato fantástico, mas antes investigando com bastante cuidado, com a ajuda de uma arqueologia de salvamento escavando os sítios referidos nas histórias, [...] na medida do possível, estabelecer correspondências entre diferentes relatos, verificando o que
Corresponde e o que não corresponde, talvez possamos no fim deste processo chegar a uma melhor compreensão do que é na realidade a ciência histórica. p. 41

[...] a história substitui a Mitologia e desempenha a mesma função, já que para as sociedades sem escrita e sem arquivos a Mitologia tem por finalidade assegurar [...] que o futuro permanecerá fiel ao presente e ao passado. p. 41


[...] apesar de tudo o muro que em certa medida existe na nossa mente entre Mitologia e História pode provavelmente abrir fendas pelo estudo de histórias concebidas não já como separadas da Mitologia, as como uma continuação da mitologia. p. 41



STRAUSS, C. L. Mito e Significado. [Tradução: Antônio Marques Bessa]. Coletivo Sabotagem. 1978. p. 34-42. Disponível em :                                                                                     < http://200.144.182.130/cje/anexos/pierre/LEVISTRAUSSCMitoesignificado.pdf > Acesso em: 27 Set. 16.

* Paulo Mazarem é Bacharel em Teologia (FATECAMP) Teologia Sistemática (FACASC) e Ciências da Religião (USJ). 

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