Pular para o conteúdo principal

QUAL A MELHOR TRADUÇÃO BÍBLICA?



Paulo Mazarem[1]





Encontrar a(s) resposta(s) a esse tipo de questionamento é sempre um desafio, uma vez que uma certa ideologia mercadológica assume o(s) gosto(s) e a(s) preferência(s) no/do senso comum, prescrevendo em nome do(s) lucro(s) e da(s) venda(s) cada um ao seu jeito a melhor, repito a “melhor tradução bíbllica”, o que equivale dizer que todas elas em nome do marketing, possuem  a melhor tradução. Entretanto, cabe-nos a seguinte pergunta estaria esta premissa correta?  
Vamos partir da ideia de que toda tradução é impregnada de interpretação, o que em tese significa dizer que nenhuma tendência teológica é neutra. Logo, se as interpretações teológicas não são neutras a questão é qual delas pode ser a mais exata no sentido original do texto bíblico e qual é/seria a/o melhor método(logia) a se utilizar na hora de se interpretar uma perícope[2] das escrituras sagradas ou da escritura como um todo? É interessante dizer que não existe nenhuma versão original da bíblia, até onde se tem conhecimento a bíblia é um simulacro do simulacro[3]
É importante considerar que essa é a problemática que constitui esse artigo e diferentemente do que se acredita analisar a(s) teoria(s) da tradução(ões) constituem-se em um exercício filosófico que gera(m) dialética(s) e questionamentos pertinentes pondo em xeque as relações de poder que envolvem o exercício da interpretação. Destarte, que destituído de qualquer pretensão valorativa a respeito do que foi dito até aqui,  toda “interpretação é poder”[4]. É notório que isso resulta de interesses que transcende(m) a intenção hermenêutica, ainda que esta esteja subsumida no ato de se traduzir às escrituras tendo este recurso não como fim, mas como meio apenas, sendo o fim obviamente aquele que todos nós podemos presumir, até por que a bíblia é o livro mais vendido do mundo,  uma posição que esta mantém há mais de 50 anos.   
Ora, de acordo com a Wycliffe Global Alliance pelo menos 3, 9 bilhões de pessoas possuem uma Bíblia disponível em sua língua nativa[5].   Mas estariam todas as traduções sendo realizadas e pensadas com o intuito de serem simplesmente vendidas? Obviamente que não!
Existem instituições que (re)alocam as suas intenções para fora do mercado pecuniário, como é o caso dos Gideões Internacionais no Brasil[6] (GIB). Sabe-se que os Gideões é uma associação interdenominacional e seu objetivo é distribuir gratuitamente à Bíblia (Novo Testamento). No site dos GIB encontramos um relatório do serviço que estes realizam com a seguinte declaração: “as escrituras são impressas em mais de 99 línguas e, em seguida são distribuídas em mais de 200 países e territórios ao redor do mundo por membros fiéis de os Gideões Internacionais”. Trata-se inegavelmente de uma associação cujo objetivo é,  como já sinalizado, distribuir gratuitamente as escrituras. Deste modo o fim não é o lucro, mas o propósito. E o propósito é semear a palavra de Deus como se lê em seu endereço na Web. Com essa propositiva percebe-se que nem todos os tradutores ou traduções Bíblicas são realizadas com o intuito competitivo de ser(em) a melhor(es)   traduções.      
Na verdade quando o enunciado “melhor” aparece deve-se suspender o termo, pondo-o entre aspas, (re)perguntando-se por quê “melhor”. O que significa “melhor” tradução?
Com esta provocação não queremos anular os custos econômicos que têm-se para realizar uma produção em série das escrituras, o que se quer aqui na verdade é submeter as concorrências de mercado na luta pelo nicho de melhor tradução bíblica e confrontar traduções e tradutores no intuito de apontar para o fato de que o “melhor” mesmo é aprender as línguas originais das escrituras[7].  Como isso não é possível até por que não se tem o original da Bíblia, o que se tem é cópia e interpretação da Bíblia, mas isso é um outro assunto que aqui não pretendo discorrer dada a sua prolixidade. Deve-se dizer que com esta constatação o que se quer não é relativizar as escrituras, pelo contrário, é mostrar que ainda que exista a “melhor tradução” esta será apenas para uma determinada língua. Uma vez que a própria língua em si, seja ela qual for é/será (devir) dinâmica e polissêmica, de modo que ao se fazer exegese percebe-se que na superação das barreiras cronológicas,  o sentido de um texto que para nós hodiernamente não é um, não é o mesmo para o(s) nativo(s) daquela época, o que implica não apenas em tradução, mas em semantismos[8] que operem no signo do sentido que aquela determinada cultura emprega (na recepção)  do/para (o) texto.

Pelo fato de haver muita discussão em relação a melhor tradução, criou-se a partir de Eugene Nida [9] um método para se estudar a questão, que ele mesmo denominou de equivalência formal e equivalência dinâmica. 
Na tabela abaixo segue a proposta metodológica dicotômica para se entender o modo como um texto é traduzido.

EQUIVALÊNCIA FORMAL
EQUIVALÊNCIA FUNCIONAL/ DINÂMICA
TRADUÇÃO LITERAL 
TRADUÇÃO LIVRE

IMITA O TEXTO
EXPLICA O TEXTO
NÃO É PERMITIDO O USO DE PARÁFRASES
É PERMITIDO O USO DE PARÁFRASES
A PROPOSTA É SUBSTITUIR UM TERMO POR UMA IDÊNTICA DA LÍNGUA A SER TRADUZIDA.
A PROPOSTA É TRANSMITIR UM DETERMINADO TEXTO EM UMA LINGUAGEM COMPREENSÍVEL.
ARA- ALMEIDA REVISTA E ATUALIZADA
NTLH
ARC- ALMEIDA REVISTA E CORRIGIDA                               
NOVA BÍBLIA VIVA -1981 ED. MUNDO CRISTÃO.
ACF- ALMEIDA CORRIGIDA E FIEL


        
        Como se pode perceber no quadro acima as traduções realizadas acabam sempre pendendo para extremos que nem sempre correspondem a exatidão literal (Ipsis litteri) do texto o que não é possível obviamente,  uma vez que a literalidade tradutiva engessa(rá) o sentido dinâmico que um termo possa representar para um determinado contexto. Deste modo, não querendo em hipótese alguma desconstruir o que até aqui foi edificado entre as 'melhores' segundo o mercado, a NVI é a que se destaca. 

Como propõe Meister ao dizer que:


Representando uma busca de equilíbrio entre a equivalência formal e equivalência funcional, temos em português a Nova Versão Internacional (NVI – Sociedade Bíblica Internacional), que segue os princípios da New International Version (NIV) e que nos Estados Unidos tornou-se uma das versões mais populares para a língua inglesa desde a década de 1980. Esse conceito envolve a busca de uma tradução que permaneça fiel ao texto original e ao mesmo tempo seja compreensível ao leitor de capacidade média na língua em que  foi traduzido. (2012, p. 81)


Embora a Nova Versão Internacional (NVI) esteja no topo das que "melhor" traduzem o sentido dinâmico do texto devemos como proposto inicialmente questionarmos o quê e por quê ela é melhor?

Particularmente, penso que ela até pode até ser a "melhor" para os leigos que buscam numa linguagem acessível compreender as escrituras, no entanto para um teólogo e cientista, as paráfrases que ela contêm, além de ocultar a verdadeira intenção do hagiógrafo, privilegia a intenção do tradutor e não do texto propriamente dito. Enfim, a muito ainda a se dizer sobre isso, mas paro por aqui. 

Paulo Mazarem
São José
15 dez. 16

REFERÊNCIAS:

VANGEMEREN, Willen A. Novo dicionário internacional de teologia e exegese; traduzido por Equipe de Colaboradores da Editora Cultural Cristã. – São Paulo: Cultura Cristã, 2011.

MEISTER, M. F. Deus transformou o Mal em Bem? Uma avaliação da Tradução de Gênesis 50.20? Fides Reformata XVII, Nº 1. 2012. p. 79-87. Disponível em:                                  < http://mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/Fides_Reformata/17/17_1artigo5.pdf > Acesso em: 05





[1] Paulo Mazarem é bacharel em teologia (FATECAMP), em teologia sistemática (FACASC) e Cientista da Religião (USJ). Contato: pauloreligiologo@icloud.com
[2] Perícope – vem do latim- “seção, parte de algo”, do grego PERIKOPÉ, “corte”, de Peri-, “ao redor”, mas Kopé, “corte”. Disponível em:                                                                                           < http://origemdapalavra.com.br/site/pergunta/pericope/ > Acesso em: 05 dez. 16
[3] Cópia da Cópia.
[4] Toda interpretação é poder – equiva-le dizer que ela pode ser poder simbólico, econômico, espiritual ou teológico, mas é sempre poder.
[5] A Bíblia Sagrada o livro mais vendido do mundo. Disponível em:                                                                                  <http://novotempo.com/ntreporter/videos/biblia-sagrada-continua-sendo-o-livro-mais-vendido-do-mundo/ > acesso em: 15 dez. 16

[6] Gideões internacionais no Brasil. Disponível em: < http://www.gideoes.org.br/> Acesso em: 15 dez. 16.

[7] As línguas originais das Escrituras são Hebraico, Aramaico e Grego Koinê.
[8] A semântica descritiva estuda o significado das palavras e também as figuras de linguagem. O estudo do significado das palavras pode ser dividido em: sinonímia, antonímia, homonímia e paronímia. Disponível em: < https://www.significados.com.br/semantica/ > Acesso em: 15 dez. 16.

[9] Nida será lembrado principalmente pela inovação que promoveu no âmbito da tradução bíblica, em meados do século 20. Valendo-se de conceitos tirados da Linguística, das Ciências da Comunicação e da psicologia, além de estudos culturais, Nida desenvolveu um enfoque ou método prático de tradução, que ele chamou de equivalência funcional ou dinâmica. Seu objetivo era tornar a tradução clara e compreensível, sem que perdesse a exatidão. Seu método fez com que a Bíblia se tornasse disponível e acessível numa escala nunca antes vista. Isto vale tanto para línguas da Ásia, África e América Latina, para as quais a Bíblia nunca antes havia sido traduzida, bem como para o inglês e outras línguas mais conhecidas, que já têm uma longa história de tradução bíblica.  Morre Eugene Nida, criador de método de tradução da Bíblia.  Disponível em:                                                                        < http://www.ultimato.com.br/conteudo/morre-eugene-nida-criador-de-metodo-de-traducao-da-biblia > Acesso em: 04 dez. 16 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

UMA BREVE HISTÓRIA DO CULTO AO FALO

Uma dose de conhecimento histórico, i.e., religiológico, (sim só um pouquinho) é suficiente para deixar nossos pudores embaraçados, uma vez que sexualidade sempre estivera imbricavelmente relacionado a religião parte constitutiva da humanidade.                              Uma historicização a respeito do “falo” ou de seus simulacros (objetos construídos para veneração)  nos períodos arcaicos da história humana, revelará que toda esta carga latente de erotização que (o Ocidente) se dá (eu) ao pênis hodiernamente, está equidistante da concepção que os antigos tinham a respeito da (o) genitália (órgão sexual) masculino.  Muitas culturas, incluindo o Egito, Pérsia, Síria, Grécia, Roma, Índia, Japão África até as civilizações Maia e Asteca viam no culto ao pênis uma tentativa de alcançar o favor da fertilidade e à procriação da vida.     Porém, ao que tudo indica o falocentrismo  cúltico  veio da Índia, com a prática do Brahman de adorar o pênis do deus supremo, Shiva.  

RESENHA DO FILME TERRA VERMELHA

Paulo R. S. Mazarem O Filme “Terra Vermelha" de 2008, direção e Roteiro do chileno Marco Bechis , bem como os demais roteiristas Luiz Bolognesi, Lara Fremder foi produzido com a finalidade de dilucidar a realidade enfrentada pelos índios Guarani- Kaiowá e descrever a perda espacial de seu território no Mato Grosso do Sul, expropriado pelos Juruás (homens Brancos). A co-produção ítalo-brasileira Terra Vermelha , é uma obra com teor político, e torna-se quase que indispensável por assim dizer para quem deseja compreender a questão e realidade indígena de nosso país. Ele descreve como a nova geração de índios, isto é, os jovens reagem diante de um novo sistema que lhe é imposto, onde seu trabalho, cultura e religião não possuem valor algum, efeitos esses decorrentes das apropriações indébitas de terras que em outrora eram suas por nascimento, para não utilizar o termo “direito” que nesse caso, não era um saber do conhecimento

BOB ESPONJA, PATRICK E SIRIGUEIJO - REPRESENTAÇÕES SUBJETIVAS & COLETIVAS DO COTIDIANO

Esses tempos rolou um papo nas redes de que Bob esponja e Patrick eram gays, no entanto eles estão mais para anjos do que para hetero ou homossexuais, sim eles são seres assexuados. De acordo com Stephen Hillenburg (criador do desenho), Bob Esponja é ingênuo,  arquétipo do personagem que está(eve) sempre por aí, do indivíduo que vive e se comporta como uma criança. Já Patrick  não é ingênuo, mas burro.   Ambos formam uma dupla interessante, pois os dois juntos  pensam que são adultos e gênios.   De fato, Bob Esponja não (nunca)  percebe as trapalhadas que ambos cometes e Patrick se acha o melhor cara do mundo. Mas não esqueçamos o Mr. Sirigueijo. O senhor Sirigueijo, (chefe do Calça Quadrada na lanchonete)   tem uma história mais íntima, na verdade ele foi inspirado num chefe que Hillenburg conheceu quando trabalhou num restaurante... de frutos do mar.   O mesmo diz o seguinte: "Eu era da Costa Oeste americana, ele era da Costa Leste”. Ele tin