By Paulo Massarin
A história da Igreja é marcada por um delicado equilíbrio entre carisma e estrutura, entre o movimento do Espírito e a organização institucional. No entanto, ao longo dos séculos, o peso da institucionalização acabou por suprimir, em muitos contextos, a dinâmica sinodal presente nos primeiros tempos do cristianismo. Diante disso, é urgente defender o retorno a um modelo mais sinodal e menos institucionalizado de ser Igreja.
Introdução
Desde os tempos apostólicos, a Igreja era compreendida como um corpo vivo e orgânico (cf. 1Co 12), onde todos tinham dons e voz. O concílio de Jerusalém (At 15) é um exemplo emblemático de sinodalidade bíblica: uma decisão teológica importante foi tomada não por um único líder, mas por meio de escuta, debate e consenso entre os apóstolos e os presbíteros, com a participação da comunidade.
O Senhor Jesus, ao enviar os discípulos de dois em dois (Mc 6.7), ao lavar os pés dos seus (Jo 13.14-15) e ao prometer a presença do Espírito Santo para “guiar a toda a verdade” (Jo 16.13), lançou os fundamentos de uma comunidade de serviço mútuo, discernimento comunitário e horizontalidade espiritual — e não de hierarquia autoritária.
A Trindade como modelo de comunhão na teologia
A teologia cristã é profundamente trinitária. Deus, em sua essência, é comunhão. O Pai, o Filho e o Espírito Santo vivem em eterna relação de amor e mútua entrega. A Igreja, como reflexo do ser de Deus, é chamada a espelhar essa comunhão na prática. O sinodalismo não é apenas um método de governança, mas uma expressão teológica da própria natureza da Igreja, que deve ser comunhão participativa, não um aparato de poder.
Teólogos como Yves Congar, Henri de Lubac e Leonardo Boff (em sua fase eclesiológica) denunciaram o excesso de clericalismo como distorção do Espírito evangélico. A sinodalidade, nesse sentido, aparece como uma recuperação da ekklesia — assembleia dos chamados — e não uma corporação de cargos eclesiásticos.
A Sinodalidade nos primeiros séculos
Nos três primeiros séculos da era cristã, a Igreja reunia-se em sínodos regionais e locais para deliberar assuntos doutrinários e práticos. A figura do bispo era mais pastoral do que jurídica. A patrística mostra uma Igreja plural, onde o consenso dos fiéis (o sensus fidelium) era respeitado.
Foi somente após a institucionalização promovida por Constantino e o Edicto de Milão (313 d.C.) que a Igreja passou a assimilar estruturas imperiais, transformando o bispo em uma figura de poder quase monárquico. Com o tempo, a cúria romana assumiu contornos administrativos que mais se assemelhavam a um Estado do que a uma comunidade espiritual.
Ainda assim, a história também registra momentos de retorno ao espírito sinodal: os concílios reformadores da Idade Média, o Vaticano II (1962–65) e, mais recentemente, o Sínodo sobre a Sinodalidade (2021–2024), promovido pelo Papa Francisco, que reavivou a ideia de uma Igreja que escuta, discerne e caminha junta.
Por que menos institucionalismo?
O institucionalismo, quando hipertrofiado, gera:
• clericalismo tóxico;
• apagamento da voz dos leigos e das mulheres;
• burocracia sufocante;
• resistência à escuta do Espírito.
É o risco de transformar a Igreja em uma “empresa da fé”, mais preocupada com estruturas do que com almas. Uma Igreja institucionalizada demais corre o perigo de tornar-se irrelevante espiritualmente.
Por que mais sinodalismo?
Mais sinodalismo significa:
• uma Igreja que escuta;
• que caminha junto com o povo;
• que reconhece a voz de Deus falando por meio de todos e não apenas de alguns;
• que prioriza a missão, não o prestígio;
• que valoriza a pluralidade de dons e experiências dentro da comunidade.
A sinodalidade não é uma ameaça à unidade, mas o seu aprofundamento. Como disse São João Crisóstomo: “Igreja e sínodo são sinônimos.”
Conclusão
A hora é de reforma espiritual, não de manutenção estrutural. Retornar ao sinodalismo é permitir que a Igreja reencontre sua identidade mais profunda: a de uma comunidade viva, serva e profética. Não se trata de destruir a instituição, mas de purificá-la. Como nos diz Apocalipse 2, “quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”.
Seja nas paróquias, igrejas locais, comunidades ou ministérios: o desafio é o mesmo — menos palácio, mais pão. Menos comando, mais comunhão. Menos institucionalismo, mais sinodalismo.
Enfim, mais sinodalismo e menos institucionalismo não é um slogan, mas um chamado à conversão eclesial. É um retorno às origens, um reencontro com o frescor do Evangelho e a vitalidade da Igreja primitiva.
Significa abrir espaço para que o Espírito Santo conduza o povo de Deus por caminhos de escuta, participação e corresponsabilidade.
Uma Igreja sinodal não abandona sua doutrina, mas a encarna com mais humildade, compaixão e fidelidade ao Cristo que lavou os pés dos discípulos. Que a Igreja do futuro seja menos castelo e mais casa. Menos poder e mais presença. Menos instituição e mais caminho compartilhado. Esse é o clamor que sobe do povo e é o sopro do Espírito em nosso tempo.
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