Pular para o conteúdo principal

 PARÁBOLAS E ALEGORESE: UM ALERTA HERMENÊUTICO

 

As parábolas de Jesus ocupam lugar central em sua pedagogia. Elas são narrativas simples, extraídas do cotidiano, usadas para transmitir verdades espirituais profundas. O ponto essencial, porém, é que cada parábola carrega uma mensagem central, um ensino direto ao coração do ouvinte.

 

A hermenêutica ortodoxa, isto é, a interpretação bíblica fiel às Escrituras, reconhece que as parábolas não foram dadas para que cada detalhe seja espiritualizado. O risco de “forçar” significados em cada elemento narrativo chama-se alegorese. Esse método, muito comum entre alguns Pais da Igreja, buscava ver em cada número, objeto ou personagem um símbolo oculto da história da salvação.

 

 

O PERIGO DA ALEGORESE

 

O problema da alegorese é que ela substitui o sentido original do texto pela imaginação do intérprete. Ao invés de ouvir o que Cristo quis dizer, o intérprete coloca no texto uma rede de significados que não nascem da intenção do autor inspirado. Isso gera confusão, polêmicas e, em muitos casos, doutrinas frágeis ou equivocadas.

 

 

O CASO DA PARÁBOLA DAS DEZ VIRGENS

 

Um exemplo clássico da necessidade de cautela é a Parábola das Dez Virgens (Mt 25,1-13). O ensino central de Jesus é claro:

 

            •          A vinda do Noivo (Cristo) é certa, mas o tempo é incerto.

            •          Portanto, os discípulos devem vigiar e estar preparados.

 

Quando, porém, se tenta alegorizar cada detalhe, como o número dez, as lâmpadas, o azeite, o sono, a meia-noite, corre-se o risco de distorcer a mensagem. Alguns, por exemplo, entendem que as virgens representam a Igreja; outros, Israel; mas se cada virgem fosse vista como a noiva, teríamos o absurdo de pensar em Cristo como “polígamo espiritual”. 

 

Esse exemplo mostra como a alegorese pode nos conduzir a impasses desnecessários e incoerentes.

 

Assim, a prudência hermenêutica exige reconhecer que o foco da parábola não é identificar quem são as virgens, mas alertar para a necessidade da vigilância diante da vinda do Filho do Homem.

 

O EXEMPLO HISTÓRICO: A PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO

 

Na história da interpretação cristã, temos o famoso caso de Orígenes (séc. III), retomado depois por Agostinho, na Parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37). Nessa leitura alegórica:

 

            •          O homem caído é Adão,

            •          Jerusalém é o Paraíso,

            •          Jericó é o mundo,

            •          Os ladrões são os demônios,

            •          O Bom Samaritano é Cristo,

            •          O óleo e o vinho são os sacramentos,

            •          A estalagem é a Igreja,

            •          O hospedeiro é o apóstolo Paulo ou os pastores,

            •          As duas moedas são as duas alianças.

 

Embora bela e engenhosa, essa interpretação não corresponde ao sentido original de Jesus, que era ensinar quem é o verdadeiro próximo. Ela ilustra, contudo, como a alegorese pode desviar a atenção do ponto central da parábola.

 

 CONCLUSÃO

 

O intérprete fiel das Escrituras deve evitar a tentação de “espiritualizar” cada detalhe narrativo. Uma hermenêutica sólida e ortodoxa exige discernimento:

 

            •          Buscar a mensagem principal que Jesus quis comunicar.

            •          Evitar projeções subjetivas que obscurecem o texto.

            •          Reconhecer que a Escritura é clara e suficiente em seu ensino.

 

Assim, ao lermos a Parábola das Dez Virgens, não devemos nos perder em alegorias minuciosas, mas manter os olhos no chamado urgente de Cristo: “Vigiai, pois não sabeis o dia nem a hora”.

 

REFERÊNCIAS:

 

ORÍGENES. Homilias sobre o Evangelho de Lucas. Trad. italiana de Claudio Moreschini. Roma: Città Nuova, 1978. (aqui se encontra a interpretação alegórica do Bom Samaritano).

 

KLEIN, William W.; BLOMBERG, Craig L.; HUBBARD, Robert L. Introdução à Interpretação Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2006.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

UMA BREVE HISTÓRIA DO CULTO AO FALO

Uma dose de conhecimento histórico, i.e., religiológico, (sim só um pouquinho) é suficiente para deixar nossos pudores embaraçados, uma vez que sexualidade sempre estivera imbricavelmente relacionado a religião parte constitutiva da humanidade.                              Uma historicização a respeito do “falo” ou de seus simulacros (objetos construídos para veneração)  nos períodos arcaicos da história humana, revelará que toda esta carga latente de erotização que (o Ocidente) se dá (eu) ao pênis hodiernamente, está equidistante da concepção que os antigos tinham a respeito da (o) genitália (órgão sexual) masculino.  Muitas culturas, incluindo o Egito, Pérsia, Síria, Grécia, Roma, Índia, Japão África até as civilizações Maia e Asteca viam no culto ao pênis uma tentativa de alcançar o favor da fertilidade e à procriação da vida.     Porém, ao que tudo indica o falocentrismo...

BOB ESPONJA, PATRICK E SIRIGUEIJO - REPRESENTAÇÕES SUBJETIVAS & COLETIVAS DO COTIDIANO

Esses tempos rolou um papo nas redes de que Bob esponja e Patrick eram gays, no entanto eles estão mais para anjos do que para hetero ou homossexuais, sim eles são seres assexuados. De acordo com Stephen Hillenburg (criador do desenho), Bob Esponja é ingênuo,  arquétipo do personagem que está(eve) sempre por aí, do indivíduo que vive e se comporta como uma criança. Já Patrick  não é ingênuo, mas burro.   Ambos formam uma dupla interessante, pois os dois juntos  pensam que são adultos e gênios.   De fato, Bob Esponja não (nunca)  percebe as trapalhadas que ambos cometes e Patrick se acha o melhor cara do mundo. Mas não esqueçamos o Mr. Sirigueijo. O senhor Sirigueijo, (chefe do Calça Quadrada na lanchonete)   tem uma história mais íntima, na verdade ele foi inspirado num chefe que Hillenburg conheceu quando trabalhou num restaurante... de frutos do mar.   O mesmo diz o seguinte: "Eu era da Costa Oeste americana...

RESENHA DO FILME TERRA VERMELHA

Paulo R. S. Mazarem O Filme “Terra Vermelha" de 2008, direção e Roteiro do chileno Marco Bechis , bem como os demais roteiristas Luiz Bolognesi, Lara Fremder foi produzido com a finalidade de dilucidar a realidade enfrentada pelos índios Guarani- Kaiowá e descrever a perda espacial de seu território no Mato Grosso do Sul, expropriado pelos Juruás (homens Brancos). A co-produção ítalo-brasileira Terra Vermelha , é uma obra com teor político, e torna-se quase que indispensável por assim dizer para quem deseja compreender a questão e realidade indígena de nosso país. Ele descreve como a nova geração de índios, isto é, os jovens reagem diante de um novo sistema que lhe é imposto, onde seu trabalho, cultura e religião não possuem valor algum, efeitos esses decorrentes das apropriações indébitas de terras que em outrora eram suas por nascimento, para não utilizar o termo “direito” que nesse caso, não era um saber do conhecimento...