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VERDADE: IMPERATIVO CATEGÓRICO OU MÍSTICA ÉTNICA?

Na tradição africana, são os griots, não os livros, que transmitem a história de um povo ao longo dos tempos. 

 

Mas, porque, afinal de contas? É porque a tradição (bambara do Komo) ensina que a palavra, "Kuma", é uma força fundamental que emana do próprio ser supremo, Maa Ngala, criador de todas as coisas. Assista abaixo a experiência de um Griot:





GRIOTS E A PALAVRA

Para eles (Griot) a palavra está vivificada em três fases:  A primeira é o pensamento, a segunda é o som e a terceira é a fala. Não é por acaso que diz um adágio malinês:  "O que é que coloca uma coisa nas devidas condições (ou seja, a arranja, a dispõe favoravelmente)? A fala. O que é que estraga uma coisa? A fala. O que é que mantém uma coisa em seu estado? A fala”. p. 173

 

Já na tradição hebraica temos YHWH como aquele que cria tudo pelo poder da sua palavra, no Hb. (dabar) cujo significado é: "Deus fala e assim, acontece". Por exemplo, "E disse Deus: Haja luz, e hoje luz". (Gen. 1. 3)

 

Embora a cultura hebraica seja constituída por um certo grafocentrismo, nas culturas ágrafas a oralidade é sem sombras de dúvida o leitmotiv que significa toda existencialidade étnica ou tribal de um grupo. E isso não ocorre apenas na África, mas também em culturas indígenas, onde a oralidade também exerce essa mesma medida.  como afirma (Ong, 1998, p.16, 19): 

 

A oralidade foi por muito tempo a forma predominante de transmissão de conhecimento em diversas sociedades na história humana, [...] “o estudo científico e literário da linguagem e da literatura, durante séculos e até épocas muito recentes, rejeitou a oralidade”. No entanto, não há como negar a importância da “oralidade primária”, definida por ele como “a oralidade de uma cultura totalmente desprovida de qualquer conhecimento da escrita ou da impressão. 

 

Ainda hoje subsiste em algumas sociedades uma forma de comunicação baseada na oralidade primária, que permite ao grupo conhecer as coisas do mundo através da narração de histórias e da transmissão de aspectos culturais, a colocá-los em prática e a combiná-los com outras formas de comunicação.

 

Ora, antes do grande epistemicídio realizado pelo processo colonizador em nosso país, a oralidade ainda era a grande fonte de verdade entre os chamados "Índios". O Antropólogo Darcy Ribeiro realizou um trabalho de campo entre os índios Kayapós e certa vez presenciou junto ao pai uma criança que brincava próximo ao leito, lugar por onde escoava o ácido cianídrico, (veneno) extraído da mandioca para tornar-se comestível. Darcy ficou muito incomodado ao ver a criança perto do veneno, momento este que ele interpela o pai perguntando você não teme a morte do seu filho, se ele levar isso a boca será fatal. O pai sem se se deixar perturbar pela pergunta, com voz firme e serena, responde calmamente do seguinte modo:  "Eu já falei para ele",  traduzindo significa o que eu falei, está falado. Ora,  índio não mente, (até onde se sabe), motivo esse pelo qual o filho não estenderia sua mão ao leito. Para os índios a palavra também é sagrada. 

 

ORALIDADE X ESCRITA


Porém, com o passar dos tempos nossa sociedade se tornou grafocêntrica, absolutizando a escrita e relativizando a palavra oral, de modo que o que vale é o que está escrito e não o dito, pois essa hodiernamente é trata como sendo algo secundário. 

 

Mas houve uma época (em nossa cultura) que o fio de bigode e a palavra eram (bens simbólicos) sinonímias, de modo que sustentar o dito era uma questão de honra independentes das circunstâncias. 

 

Talvez esse seja o grande contraste das sociedades consideradas adiantadas e das atrasadas, dentro de uma perspectiva positivista. 

 

Pois, nas sociedades de tradição oral, a palavra tem um valor sagrado e sua origem é divina. A fala é um dom, não podendo ser usada de forma imprudente, leviana, isto porque, ela tem o poder de criar, mas também de conservar e destruir. Como foi dito: "Uma única palavra pode causar uma guerra ou proporcionar paz". 

 

Paralelamente, de acordo com os evangelhos a palavra de seus seguidores deve ser sim, sim ou não, não. Do tipo, ajoelhou tem que rezar.  Porque se assim não for o orador ou o mensageiro é portador de uma inverdade. 

 

Como vimos, tanto a religião cristã, como diversas culturas prezam pela fidelidade narrativa, pela transmissão oral legítima. Ora, na filosofia não podia ser diferente. Com a chegada do iluminismo, Kant acabou por se tornar o representante mais elevado dessa corrente de pensamento, de modo que para este, a verdade funciona como um pré-requisito (voraussetzungen) que norteará toda intenção ética, destarte que um individuo "deve" agir como se a máxima de sua ação possa tornar-se uma prática universal. Assim verdade e ética, devem segundo Kant sustentar-se diante do universo, como referências que transcendem perspectivismos etnocêntricos. Como se vê, mentir, para Kant não é ético uma vez que não pode ser referenciada globalmente. 

 

Assim, a verdade (veritas) fidelidade no discurso dos romanos, acentua-se como uma panacéia para as demagogias da política e da religião, que muitas vezes prometem aquilo que não podem cumprir.

 

Paulo Mazarem

Florianópolis

02 ago. 17

 

 

  

REFERÊNCIAS:

 

Tradição Oral dos Indígenas. Disponível em:<https://tradicaodigital.wordpress.com/tradicao-oral-dos-indigenas/> acesso em: 26 Mar. 16.

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