Nenhuma questão parece estar mais intensamente
vinculada com a busca de sentido último e o significado da existência do que a
questão do homem. Na pressa do dia a dia as pessoas estão inclinadas a
ignorarem esta questão – até que uma doença ou um acidente os acometa, ou o
sofrimento de outros se torne um fato inescapável.
Nada como um dose diária de Eclesiastes para o despertar humano, não é mesmo?
A questão é que existem, muitos aspectos na pergunta: ‘O que é
o homem?’ – moral, sociocultural, psicológico, linguístico e até mesmo
biológico. Filósofos têm estado conscientes de que
este estudo não pode ser separado das visões das pessoas sobre o significado e
o propósito da vida.
Ele surge naturalmente às pessoas que querem
orientação, que sondam o horizonte em busca de algo que faça a existência
digna, que buscam significado. Consequentemente, a vida humana é caracterizada
por inquietude e dinamismo.
ANTROPOLOGIA EM PANNENBERG
(Wolfhart Pannenberg)
Para Wolfhart Pannenberg[1] (1928-
2014), para ser relevante, a reflexão da antropologia teológica precisa levar
em consideração três inter-relações que são capitais para a correta compreensão
da realidade humana. São elas a relação entre a antropologia teológica, a
doutrina da criação e a cristologia, especialmente porque somente essas
inter-relações possibilitam entender a criação do homem segundo a imagem
divina, que está relacionada à sua posição dentro da criação, com as suas
características ontológicas e com o seu destino à comunhão com Deus, que foi
realizado em Jesus Cristo.
Podemos dizer que essa postura de Pannenberg é
reflexo da teologia patrística, que é vista por ele como um modelo que precisar
ser seguido pela reflexão da antropologia teológica atual. Isso porque a
teologia Patrística, desde o início da história cristã, ao refletir sobre o
homem, entendeu que sua natureza consistia em três dimensões: psíquico,
corpórea e espiritual.
Assim ela expos a complexidade da realidade humana
através de uma abordagem profunda levando em consideração as inter-relações
necessárias.
O DESTINO DO PECADO ANTROPOLÓGICO
(Hieronymus Bosch- Os sete pecados Capitais/ Séc. XV)
A doutrina cristã do pecado em sua forma clássica,
ofende tanto a racionalistas quanto a moralistas ao manter a posição
aparentemente absurda de que o homem peca inevitavelmente e por uma necessidade
inescapável., mas que ele, não obstante, tem de ser responsável por seus atos,
estimulados por um destino inevitável. (R. Niebuhr)
Tanto a responsabilidade quanto a inevitabilidade
tinham sido proeminentes no entendimento clássico do homem.
Ésquilo, por exemplo, buscou o equilíbrio das três forças – a tirania
do destino, o poder dos deuses e a responsabilidade do homem. (Esq. Eum,
1044-46)
Os romanos também ficaram impressionados com o poder
do destino. Ovídio representou Júpiter reconhecendo para os outros deuses que
tanto ele quanto eles eram governados pelo destino. (Ov. Met. 9. 433-34)
Mas, no período do império, essa consciência do
destino ficou ainda mais predominante quando a doutrina estoica da necessidade
coincidiu com a incursão dos astrólogos calcedônios, razão talvez por Cícero,
afirmou que “todas as coisas acontecem por meio do destino.
O fato é que o estoicismo identificava o destino
com a vontade divina, mas, no processo, teve de capitular à liberdade da
vontade humana.
É interessante porque na mente popular não eram as
teorias estoicas da necessidade, mas a predeterminação das estrelas que mina a
liberdade e a responsabilidade humanas. “o destino decretou, como uma lei, as
inevitáveis consequências de seu horóscopo para cada pessoa, disse um pagão
contemporâneo dos apologistas cristãos, motivo pelo qual o imperador Tibério
deixou de prestar homenagem aos deuses porque tudo já estava escrito nas
estrelas. (Suet. Tib. 69)
Foi por isso que Tertuliano denunciou a astrologia
porque “os homens, presumindo que são dispostos pelo arbitramento imutável das
estrelas, acham que por conta disso Deus não tem de ser buscado”.
Em suma os apologistas do evangelho contra o
pensamento grego e romano, com raras exceções, tornaram a responsabilidade, em
vez da inevitabilidade, o fardo da sua mensagem.
Orígenes rejeitou a opinião daqueles que disseram
que não se podia resistir às tentações para pecar.
O bispo de Hipona, Santo Agostinho em sua obra
Cidade de Deus destacou que embora Deus saiba de todas as coisas antes que elas
aconteçam, e que pela nossa própria vontade fazemos tudo que sabemos e sentimos
que não podemos fazê-las a não ser que nos determinemos a isso.
É por isso que toda ordem de disciplina é arranjada
por intermédio de preceitos, à medida que Deus denomina, ameaça e exorta. Talvez
isso não fosse assim se o homem não fosse livre, favorecido com uma vontade
capaz de obedecer e resistir.
Já os gnósticos descreviam os homens como vítimas e
escravos de forças sobre as quais não tinha controle, e, por isso, essas escolas
gnósticas diagnosticaram o pecado como inevitável.
Porém Irineu, rejeitou os ensinamentos gnósticos
destacando que todos os homens são capazes de se apegar ao que é bom quanto de
praticar o bem e ter, por sua vez,
também o poder de afastá-lo deles e não praticá-lo (Iren. Her. 4. 37. 3)
Não é sem propósito que as repreensões e exortações
dos profetas pressupõem a capacidade do homem de obedecer, como faziam os
ensinamentos éticos de Jesus, todos eles documentam a autodeterminação do homem.
Se os gnósticos sustentavam, não está em nosso
poder fazer ou não fazer essas coisas, que motivo tinha o apóstolo e muito mais
o Senhor mesmo de nos aconselhar a fazer algumas coisas e nos abster de outras?
Mas pelo fato de o homem, desde o início, ter livre arbítrio e Deus ter livre
arbítrio, em cuja semelhança o homem foi criado, este sempre é aconselhado a se
apegar ao bem, o que é feito por meio da obediência a Deus.
O homem tem liberdade de pecar ou não; do contrário,
ele não poderia receber ordens, ser repreendido nem exortado – nem tão pouco
convocado para prestar contas.
Clemente de Alexandria disse que só Deus pode
evitar totalmente o pecado, mas aqueles que estão em Cristo são sábios e
conseguem evitar as transgressões voluntárias, daí a máxima: “até onde podemos,
tentemos pecar o menos possível”.
No entanto, a despeito de toda essa linguagem forte
sobre o pecado, o problema fundamental do homem não era o seu pecado, mas sua
corruptibilidade. O motivo da encarnação ser necessária era que o homem não
tinha apenas errado – para isso, o arrependimento seria suficiente – mas tinha caído na corrupção, uma transição que
o ameaçava com a aniquilação.
Daí a insistência de Cirilo na humanidade perfeita
de Cristo porque só isso “libertaria nosso corpo terreno da corrupção
estrangeira”
REFERÊNCIAS:
Os quadros mais impressionantes de Hieronymus Bosch. Disponível em: <
https://www.culturagenial.com/obras-hieronymus-bosch/ >
Acesso em: 04 Jan. 20
PANNENBERG,
W. Linhas gerais da antropologia de Pannenberg. Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/14069/14069_4.PDF
> Acesso em: 04 Jan. 20
PELIKAN,
Jaroslav. A tradição Cristã. Uma história do desenvolvimento da doutrina: O
surgimento da tradição católica 100-600, volume 1/ tradução de Lena Aranha,
Regina Aranha. – São Paulo: Shedd Publicações, 2014. p. 284-290.
GLAS, Gerrit.
Antropologia filosófica cristã: uma perspectiva reformacional.
Disponível em: < https://www.cristaosnaciencia.org.br/content/uploads/Antropologia-filosofica-crista-Gerrit-Glas.pdf > Acesso em: 04 Jan. 20
[1] Wolfhart Pannenberg foi um dos mais importantes teólogos do século XX.
Professor de Teologia Sistemática na Universidade de Munique. Ferrenho
defensor da aliança entre fé cristã e razão e opositor dos teólogos que
desprezam o valor da história para a fé cristã. Ele afirma, entre outras
coisas, que o cristão não deve temer a investigação crítica, mas sim
incentivá-la, visto que se a fé cristã é verdadeira nenhuma investigação
crítica poderá derrubá-la a não ser por visões de mundo que pressupõe princípios
necessariamente antagônicos à fé cristã que muitos teólogos adotam.
Especula-se que “Os sete pecados capitais”
tenha sido pintado por Bosch por volta de 1485 e no trabalho já é possível
observar as primeiras criaturas híbridas que serão características da sua
pintura. Seres monstruosos aparecem de modo ainda discreto, mas virão a se
perpetuar nas telas de Bosch ao longo dos anos. Nesse trabalho em especial
transborda um interesse pedagógico em transmitir conhecimento daquilo que seria
considerado o bom e o correto através da pintura. Vemos nas ilustrações
centrais retratos do cotidiano, da vida em sociedade nos ambientes domésticos.
As imagens presentes no centro representam a gula, a acídia, a avareza, a
luxúria, a inveja, a vaidade e a ira. No círculo superior da esquerda
observamos um moribundo, provavelmente recebendo a extrema unção. No círculo ao
lado encontra-se ilustrada uma representação do paraíso com o céu azul e as
entidades religiosas. É curioso observar o seguinte detalhe: nos pés de Deus
aparece pintada uma representação da Terra. Do lado inferior da tela, no círculo esquerdo, encontramos uma
representação do inferno feito com tons soturnos e sombrios e assistimos seres
humanos sendo torturados devido aos seus pecados. Na imagem estão escritas as
seguintes palavras: gula, acídia, soberba, avareza, inveja, ira e luxúria. O
círculo inferior direito, por sua vez, apresenta um retrato do juízo final.
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