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NOTÍCIAS E O QUE PRECISAMOS SABER SOBRE ELAS






As notícias são poderosos mecanismos influenciadores.
Alain de Botton 


O psicólogo e lingüista Steven Pinker destacou que notícias são amostras não aleatórias das piores coisas que acontecem no mundo. Ou seja, notícias tratam de coisas que ocorrem repentinamente, como por exemplo, uma explosão, uma guerra, um tiroteio, um surto epidêmico ou uma pandemia. Entretanto, a maioria das coisas boas, crescem aos poucos e aumentam gradativamente, e nem sempre são mostradas pelos jornais e noticiários, como queda na criminalidade, queda da pobreza e o aumento da prosperidade. Daí a importância de prestarmos mais atenção, a dados e tendências, e menos em notícias e eventos. 


Um site interessante para verificar dados e tendências, inclusive recomendado por Pinker é o site https://ourworldindata.org ou o site Gapminder de Rans Hosling que mostra tendências globais em detrimento das redes sociais, como Twitter, Facebook ou Instragram que oferecem uma amostra enviesada do que acontece na terra. 


Ora, não há dúvidas que as notícias marcam a vida pública e (ao mesmo tempo) condicionam a "realidade" a um recorte e a um perceptus (pacotes de sensação da realidade) invisibilizando da coletividade, a totalidade dos acontecimentos. Na verdade, trata-se de um mecanismo muito conhecido denominado "efeito framing". O efeito framing é determinante no processo de percepção, leitura e interpretação dos expectadores no processo de escolha(s) quase sempre pré-determinados, operando de maneira inconsciente via mediatização e recepção das (in)formações que chegam ao cérebro humano, influenciando e em alguns casos mobilizando preferencias e escolhas políticas. Ou seja, a escolha é influenciada pela forma como o problema é expresso, de modo que as notícias operam como uma espécie de retrato autorizado da realidade, cuja finalidade é informar o cidadão sobre os acontecimentos que descrevem (parcialmente) a realidade dos "fatos" e fazemos questão de ressaltar o termo parcialmente, uma vez que lamentavelmente boa parte daquilo que consumimos pela grande mídia está sub-judice. Isso sem considerar as fake news que excede toda e qualquer forma de extrapolação operando como um vírus no sistema de comunicação de massa. 


Em resumo, notícias são, o enquadramento ou framing da realidade. Para Gitlin “os enquadramentos são princípios de seleção, ênfase e apresentação [...] sobre o que existe, o que ocorre e o que é relevante” e são importantes para um determinado grupo, porque o ser humano tem forte inclinação, para “perceber os eventos e situações de acordo com o enquadramento” apresentado, o ângulo oferecido pelo qual as lentes da percepção podem contemplar. 


Vou exemplificar para comprovar essa tese. Você liga a TV ou o seu Smartphone, quando de repente se depara com uma cena de violência. É um homem negro agredindo um adolescente branco em uma quadra de futebol. Ele chuta o jovem, profere impropérios e vocifera palavras lamuriosas. No fundo se ouve a voz de um repórter destacando que um jovem está sendo violentamente agredido por um homem. 


É óbvio que ao ouvirmos essas palavras misturadas com as cenas que nos chegam aos olhos somos imediatamente confrontados moralmente pelo senso de injustiça, todavia, o que não sabemos é que aquele jovem era um delinquente que havia cometido latrocínio, matando a filha e a esposa do homem que alguns dias antes havia reagido a um assalto, e que em decorrência da impunidade sofrida, viu-se no direito de vingar a morte de seus familiares. 


Percebam que de alguma maneira, embora a violência jamais seja o caminho para resolução de qualquer problema, a nossa leitura muda em decorrência da apresentação fidedigna e real dos fatos. É óbvio que se trata de um exemplo muito pífio, mas ele por si só, nos fornece material para problematizarmos tudo aquilo que nos chega a mente. 


Sou de acordo com a tese de que a missão dos jornalistas deveriam ser pura e exclusivamente com a verdade dos fatos. Só que Não! Infelizmente não é o que ocorre. 


Não é sem motivos, que partilhando destas ideias, Alain de Botton (2015, p. 12) considera as notícias um poderosíssimo mecanismo influenciador, comparando a sua preponderância a uma força significativa que marca a vida pública ao condicionar o sentido da realidade e moldar o estado daquilo que chamamos por “almas”. 


Assim, é perceptível a improficuidade da velha teoria que encara o trabalho jornalístico como o mero espelho do real, reprodutor de notícias num estado puro. Na verdade, as notícias são o resultado de uma construção manipulada pelos jornalistas, estando sujeitos a condicionalismos, que servem-se de acontecimentos reais como matéria-prima, para desconstruir o estado puro dos fatos, sendo esboçados, enquadrados e vitrinizados numa espécie de moldura Mise-en-scène cuja exposição visa confirmar e corroborar preferências ideológicas já consagradas e pré estabelecidas.  


Isso se parece muito com o estudo de "currículo", isto é, dos Scripts que recebemos na escola sem possibilidade de contestação ou provocação filosófica. Ou você já parou para se perguntar porque afinal de contas estudamos disciplinas na escola cuja teoria não corresponde na maioria dos casos com a realidade subjetiva dos seus discentes? 


Em suma, poucos questionam e os que questionam rapidamente são vistos pelo sistema como inimigos. Mas, esse é um outro assunto. 


Enfim, não se pode observar com inocência ou sem senso crítico, a avalanche de notícias que diariamente inundam as nossas casas. É claro, sem generalizações, mas com a devida ressalva que exige o assunto, certas notícias podem funcionar como excelentes propagandas institucionais, empresariais e sobretudo, políticas não é mesmo?


Quando analisamos os interessantes institucionais e políticos de determinadas organizações é preciso considerar se há alguma relação de simbiose com o governo em pleno mandato ou com alguma outra corrente política, e uma vez detectado tal inclinação é preciso recorrer ao famoso método fenomenológico husserliano denominado "Epoché" (suspensão). 


Para mim, um exemplo emblemático e clássico são as famosas estatísticas que criam tendências entre aqueles que se mostram indecisos no processo de escolha de um candidato político ao cargo de presidente da República, por exemplo. E você acredita em estatísticas? 


O primeiro ministro do Reino Unido Benjamim Disraeli, certa vez afirmou que existem três tipos de mentiras: as comuns, as deslavadas e a estatística. De fato, estatísticas são como biquinis, mostram muito, mas escondem o essencial, da mesma forma que as notícias. 


Portanto, como já destacado anteriormente "notícias" são comparáveis a fotografias que pelas lentes da máquina fotográfica de um observador (o fotógrafo) capturam em seu enquadramento, uma parte da realidade, quase sempre percepcionada, selecionada e finalmente revelada pelos órgãos que julgamos competentes no processo de recepção da realidade e transmissão das informações que nos são repostadas.  


Enfim, considerar o que Steven Pinker e Alain de Botton, propõem a respeito das notícias é essencial para amadurecermos (do ponto de vista filosófico) uma fecunda reflexão em torno dos fenômenos que nos rodeiam. 



Paulo Mazarem

Teólogo e Cientista da Religião

Florianópolis

08 Jan. 22  




REFERÊNCIAS: 


BOTTO, Alain. Notícias: Manual do usuário. Rio de Janeiro. 1ed. Editora Intrínseca. 2015


Steven Pinker responde a Pergunta Braskem. Disponível em:                                                                  https://www.youtube.com/watch?v=U9mmtjKcQuY > Acesso em: 08 jan. 22 





  

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