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AURI SACRA FAMES


Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com dores.  (1Tm 6. 10)

Muita gente imagina que a paixão desmedida pela riqueza - o "desejo abominável pelo dinheiro", do verso imortal de Virgílio, seja um fenômeno recente e característico do nosso tempo. 

Todavia, o espírito de "auri sacra fames" (a maldita fome pelo dinheiro) é tão velho quanto a história do homem.

A grande verdade, (diz Max Weber) é que ...

O impulso à aquisição, à busca do ganho, do dinheiro, da maior quantidade possível de dinheiro, não tem nada a ver com o capitalismo. Tal impulso existe e tem existido entre garçons, médicos, artistas, cocheiros, prostitutas, funcionários desonestos, soldados, nobres, cruzados, apostadores e mendigos. Pode-se dizer que ele tem sido comum a todos os tipos de homens, de todas as condições, em todas as épocas e países do planeta, onde quer que a possibilidade objetiva dele exista ou tenha existido. (Weber, 1920)

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche afirmou que: 

Um utiliza pesos falsos, outro põe fogo na casa depois de fazer um bom seguro, um terceiro falsifica moedas e três quartos da mais alta sociedade se dedicam à fraude lícita, tendo só ações e especulação na cabeça: o que os impele? Não a necessidade, pois seus negócios não vão mal... O que os aflige e impele, dia e noite, são uma terrível impaciência diante da lentidão pela qual seu dinheiro se acumula e um prazer igualmente terrível diante do dinheiro acumulado... Os meios utilizados pelo desejo de poder são outros, mas o mesmo vulcão continua ardendo e o amor desmesurado reclama o seu sacrifício. O que antes se fazia `por amor a Deus', faz-se hoje por amor ao dinheiro, quer dizer, em nome daquilo que agora dá a máxima sensação de poder e boa consciência. (Nietzsche, 1881)

Por este e outros motivos é que a escritura nos adverte, dizendo:

Quem ama o dinheiro jamais terá o suficiente; quem ama as riquezas jamais ficará satisfeito com os seus rendimentos. (Ecl. 5. 10)  

É preciso destacar que a avareza tem muitas faces, podemos dizer que existem vários tipos de avareza e destacaremos aquelas que transcendem o valor pecuniário, isto é, a avareza propriamente relacionada ao dinheiro, mas para isto, vamos tentar entender o que é a AVAREZA a partir, de sua acepção semântica. AVAREZA vem do latim avere

 

Segundo o dicionário Aurélio, avareza significa excessivo e sórdido apego ao dinheiro; falta de generosidade e mesquinhez.


É muito importante ressaltar que a avareza nem sempre se justifica pelo apego excessivo ao dinheiro, mas ao que ele representa. Muitas famílias e pessoas na sociedade sente-se no direito de reivindicar autoridade e até mesmo poder em razão das posses e dos bens que possui, razão e motivo pelo qual aquelas que se deixam guiar por tal concepção acabam por cometer não só o pecado da avareza, mas o da soberba.  

 

O fato é que para muitas pessoas a riqueza pode ser um dos instrumentos com o qual se manipula pessoas, controlando-as e despersonalizando-as, razão pela qual muitas pessoas têm a sua identidade sequestrada, e em muitos casos, tornando-se posse e patrimônio de alguém. Já em outras situações por causa do dinheiro, não poucas pessoas agem de modo muito distante do que na verdade desejariam, um exemplo disso, está na escolha da profissão nem sempre compatível com a vocação latente, e sim na valorização social e na projeção econômica por ela auferida, motivo pelo qual muitos no sexto semestre ou pós conclusão de curso, insatisfeitos migram para uma outra área de saber, por se darem conta de que a escolha se deu mais por pressão social e familiar do que por escolha própria. 

 

Como destacado, a avareza pode muitas vezes subsumir-se em projetos de ação social. 

 

 

AVAREZA ECONÔMICA



Então Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, que depois iria traí-lo, disse: “Por que razão este óleo perfumado não foi vendido por trezentos denários para depois dá-lo aos pobres?” Disse-lhes isso não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão e, como dispunha da caixa, tirava aquilo que metiam dentro dela. (João 12. 4-6)

 

Judas é o exemplo emblemático de quem se serve da miséria alheia para justificar a sua avareza. Se observarmos o texto, vamos perceber que Judas manifestou um profundo interesse e altruísmo para com os pobres, sem, contudo, nunca se preocupar com eles, a não ser consigo mesmo. 

 

Quantas pessoas que vendem a ideia de assistencialismo e de amor pelos necessitados como fachada para acúmulo de capital? 

 

O texto do evangelho de Marcos, mostra-nos que Judas traiu Jesus exatamente por aquilo que ele deseja dar aos pobres, dinheiro! (Mc 14. 11)

 

O pagamento foi realizado em siclos de prata. De acordo com os historiadores, o siclo era uma medida de peso. Ele pesava 11 gramas. Ou seja, Judas aceitou entre 330 gramas de prata. Hoje em dia, cada grama de prata vale cerca de R$ 4,59. Então, as 30 moedas valeriam entre 1514 reais, que é uma ninharia pela vida de alguém. 

 

 

É preciso lembrar, contudo, que os valores mudaram muito desde então. Naquela região, há dois mil anos atrás, tanto o dinheiro, quanto a prata valiam muito mais do que valem hoje. 

 

No AT, a lei de Moisés (Êxodo 21. 32) dizia assim... “Se o boi chifrar um escravo, o dono do animal terá de pagar trezentos e sessenta gramas de prata ao proprietário do escravo”. Ou seja, há 1500 anos antes de Jesus nascer, um escravo valia em torno de 30 moedas. Ou seja, era o valor de uma pessoa. 

 

A bíblia diz que após o arrependimento, Judas devolveu as moedas aos sacerdotes, que “compraram com elas o campo do oleiro, para cemitério de forasteiros” (Mateus 27.7). Ou seja, 30 moedas era o valor de um pequeno sítio.

 

Agora, que valor Jesus tem para você? Qual é a “moeda” de troca por Jesus? Já trocamos Jesus pelo quê?

 

Se analisarmos este enredo, a partir da experiência de Judas, vamos perceber que na ocasião ele não pensou nos pobres, nem em Jesus, primeiro porque nunca teve apreço por eles e segundo, porque o seu interesse nunca foi de natureza espiritual, mas política.

 

AVAREZA ONTOLÓGICA

Mas os teus olhos e o teu coração não atentam senão para a tua avareza, e para derramar sangue inocente, e para praticar a opressão, e a violência. (Jer. 22. 17)

O Teólogo Jung Mo Sung disse que Mamom é dinheiro elevado à categoria de Deus. Assim, toda vez que o dinheiro é absolutizado, ele reivindicará devoção, fidelidade e adoração. E eu acrescentaria apropriação ilegal e definitiva de bens ou propriedades que não lhe pertencem (expropriação), uma vez que tudo em decorrência do dinheiro é justificado, motivo pelo qual o próprio Jesus fez distinção entre Deus e Mamom em função de sua equivalência espiritual. 

É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus.  (Mt 19. 23-26)

O camelo e a agulha são metáforas para ilustrar a perdição dos ricos devido a sua autossuficiência, por pensarem que não precisam de Deus para nada nessa vida, a ponto de tornar o dinheiro um ídolo e nem das pessoas por ocasião de suas posses! 

É por isso que a avareza pode ser percebida como a maximização do auto interesse, estimulada pela divisão de um ser — o humano — que não pode ser fragmentado, sem que as consequências disso lhe sejam prejudicais. Assim a visão utilitarista, que reifica os seres humanos (chamando-os de “recursos humanos”), é a mesma que reifica o mundo (vendo-o como uma fonte de “recursos naturais”). 

           AVAREZA ANIMACIONAL 

Os exemplos advindos dos desenhos animados são muitos. Na tela encontramos exemplos, como: tio patinhas, sirigueijo e o Mr. Burns- Simpsons. Em todos estes desenhos o que se percebe é o apego excessivo pelo dinheiro.

Aristóteles a ponta que os avarentos entesouram como se fossem viver eternamente. E Plutarco sinaliza que os avarentos guardam o seu tesouro como se fosse realmente seu; mas temem servir-se dele, como se na realidade pertencesse a outrem.” (Plutarco)

ACUMULAÇÃO COMPULSIVA (como uma forma de avareza)  também conhecida como transtorno de acumulação[1], é um padrão de comportamento que se caracteriza pelo excesso de aquisição de itens, e uma incapacidade ou relutância para o descarte da grande quantidade de objetos que cobre as áreas de estar da casa e causam significantes estresse e perda de função. 

         Recentemente pesquisadores começaram a estudar a acumulação, como proscrevendo-a como uma doença mental, que se caracterizou apenas na 5ª edição do DSM, em 2013.

Não obstante, a acumulação compulsiva, em seus piores casos, pode causar incêndios, condições não-higiênicas (exemplos: infestações de ratos e baratas), e outros perigos à saúde e segurança.

Para demonstrar o impacto disso, elenquei algumas das situações possíveis em que acumuladores se põem. Eles mantêm um grande número de itens que a maioria das pessoas consideraria sem utilidade ou sem valor, tal qual:

·       cartaz de propaganda, listas telefônicas velhas, revistas e jornais;

·       equipamentos de cozinha gastos demais para serem usados;

·       coisas que potencialmente possam ser usadas para fazer artesanato;

·       roupas que potencialmente possam ser vestidas, em algum dia no futuro;

·       coisas quebradas, ou lixo;

·       brindes ou produtos promocionais.

A casa deles está entulhada ao ponto de várias partes serem inacessíveis e não poderem mais ser usadas para os propósitos desejados. Por exemplo:

·       Mesas, cadeiras, ou sofás que não podem ser usadas para comer, sentar, ou realizar trabalhos;

·       camas aonde não se pode dormir;

·       cozinhas que não podem ser usadas para cozinhar;

·       banheiros imundos;

·       banheiras, chuveiros, e pias, entupidas de coisas ao ponto de não poderem ser usadas para lavar ou tomar banho.

Seus entulhos e bagunça chegam ao ponto onde pode causar doença, sofrimento e incapacidade. Como resultado, eles:

·       não permitem a entrada de visitantes, como família e amigos, ou profissionais de reparo e manutenção, pois o entulho os deixa embaraçados;

·       entram em muitas discussões com membros da família a respeito do quê fazer com o entulho;

·       são relutantes, ou incapazes de devolver itens que pegaram emprestado;

·       mantém as cortinas fechadas, de forma que ninguém possa olhar para dentro;

·       passam pelo risco de incêndio, cair, infestações ou expulsão;

·       frequentemente sentem-se deprimidos ou ansiosos devido ao entulho acumulado.

E pensar que tudo isso pode estar relacionado a avareza? 

CONCLUSÃO:

Devemos saber que por trás de toda acumulação desnecessária, mesquinhez, corrupção, todo desvio de verbas públicas e interesses escusos[2] está a avareza! 



 

REFERÊNCIAS:

GIANNETTI, Eduardo. Auri sacra fames. Disponível em:                                                                                                           <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/7/16/dinheiro/14.html > Acesso em: 19 Set. 20

FITTIPALDI, Emiliano. Avareza. Tradução de Carlos Aboim de Brito. Disponível em: < http://www.saidadeemergencia.com/files/products/Avareza.pdf > Acesso em: 19 Set. 20

30 moedas de prata. Disponível em: < https://www.luteranos.com.br/textos/30-moedas-de-prata > Acesso em: 19 Set. 20

Os Sete Pecados Capitais. Disponível em: < http://files.batistaraizes.com/200000150-42ba843b2f/SETE%20PECADOS%20CAPITAIS%20AVAREZA..pdf >  Acesso em: 19 Set. 20

 



[1] Colecionar e acumular podem parecer semelhantes, mas existem características distintas entre acumuladores e colecionadores, que os diferenciam. Colecionar envolve muitas vezes pesquisa focada e aquisição de itens específicos, ao menos do ponto de vista do colecionar, foram uma apreciação melhorada, compreensão aprofundada, ou valor sinergético aumentado, quando estão combinados com outros itens similares. Acumulação, em contrário, demonstra-se caótica/aleatória, e envolve adquirir em geral itens comuns que não devem ser especialmente significativos para a pessoa que está coletando tais itens em grandes quantidades.

 

[2] São fatos, não percebidos por grande parte da sociedade, arquitetados para que interesses individuais se sobreponham ao coletivo.

 

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