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O CONCEITO DE MICROCOSMOS NA FAMA FRATERNITATIS ROSACRUZ


RESUMO

O presente texto tem por finalidade apresentar uma concepção do homem como um ser microcosmo, isto é, um pequeno mundo, baseado no ensino rosa-cruz. Porém, não sem antes realizaremos uma leitura contextualizadora de como vivia a Europa (em um clima de grande agitação) no século XVII em meio à miséria e violência, ansiando por dias melhores. Uma aspiração legitima dada às guerras e rumores de guerras que permeavam aquele contexto. A Igreja Católica, passava por um período significativamente tempestuoso em decorrência daquilo que o historiador Jules Michelet chamou de Renascimento, cujo estopim maior deu através da reforma Protestante. Nesse contexto surgiram os Manifestos da Fraternidade da Rosa-Cruz. Eles vieram ao encontro do anseio e da necessidade espiritual do povo, que buscava um novo ideal, uma reforma que propusesse uma revolução espiritual completa, que fosse muito além dos aspectos sociais e políticos, uma reforma que despertasse o verdadeiro homem (microcosmo) por meio da prática do caminho interior e ao mesmo tempo pelo retorno ao criador através do Espírito Santo na Rosa-cruz.

Palavras chaves: Microcosmo, Rosa-cruz, Fama Fraternidade, Espírito Santo. etc.

    A Europa vivia em um clima de grande agitação no século XVII. Os povos viviam em meio à miséria e violência, ansiando por dias melhores, uma aspiração legitima dada às guerras e rumores de guerras que permeavam aquele contexto. A Igreja Católica, passava por um período significativamente tempestuoso em decorrência daquilo que o historiador Jules Michelet chamou de Renascimento. É importante lembrar que este período (que teve seu inicio no séc. XIV e perdurou até o séc. XVI) valorizava o retorno do mundo clássico, textos e valores fundamentais da antiguidade grega e latina e à retomada de temas filosóficos herméticos e neoplatônicos, encontrando sua expressão em intelectuais como Marcílio Ficino (o maior representante do humanismo florentino) e o seu discípulo Giovanni Pico della Mirandola que traduziu grande parte dos pré-socráticos, neoplatônicos e traduziu quase ou senão todas às obras de Platão. Contudo, foi no dia 31 de outubro de 1517 que Martinho Lutero fixava as suas 95 teses na porta de Wittenberg na Alemanha numa clara oposição a doutrina da igreja, paralelamente, poderíamos ainda adicionar as conquistas empreendidas pela Europa na América e a utilização da imprensa de Johannes Gutenberg (já viável no início do século XVII), que amplificava a propagação das notícias e dos conhecimentos.

Como nos mostra a história, até o séc. XV o paradigma religioso era hegemônico e todos os modelos explicativos de realidade se viam na tutela da teologia onde os saberes que não gravitavam em sua órbita eram considerados errados, ou seja, heréticos. Todavia, no campo científico e filosófico, sempre houve mentes que problematizavam essa abordagem unilateral da igreja, bem como o magistério com seu monopólio hermenêutico. Não menos importante, porém observável é que qualquer questão que punha os ensinos bíblicos e eclesiásticos sub judice eram vistos como anátema, podendo custar a própria vida como foi o caso de Giordano Bruno que inspirado pelo heliocentrismo contestou o geocentrismo apologizado pela igreja sendo condenado a fogueira. Diz-se que Galileu Galilei só não teve o mesmo fim, porque renegou suas ideias através de uma confissão, lida em voz alta perante o Santo Conselho da Igreja. Não se pode negar que todo esse vesúvio preparou o ambiente para o movimento Rosacruz que tem a sua origem no Séc. XVII.

Foi nesse contexto que surgiram os Manifestos da Fraternidade da Rosa-Cruz. Eles vieram ao encontro do anseio e da necessidade espiritual do povo, que buscava um novo ideal, uma reforma que propusesse uma revolução espiritual completa, que fosse muito além dos aspectos sociais e políticos. Os manifestos surgiram em forma de publicações atribuídas a Johann Valentin Andreae, Tobias Hess e Cristoph Besold, com os seguintes títulos: Fama Fraternitatis Rosae Crucis (o chamado da Fraternidade da Rosa-Cruz - 1615), Confessio Fraternitatis (a profissão de fé da Fraternidade da Rosa- Cruz-1615) e Chymische Hochzeit Chistiani Rosencreutz (Núpcias Alquímicas de Christian Rosenkreuz – 16161).”

A Fama Fraternitais Rosae Crucis, a chamada “Fraternidade Rosacruz” foi impressa e publicada pela primeira vez em língua alemã, em março de 1614 por Wilhem Wessel na cidade de Kassel, não obstante o texto já circulava na Alemanha desde 1610 e sua primeira publicação consta: ReformaGeral e Universal de todo o vasto mundo; juntamente com a Fama Fraternitatis da Louvável Fraternidade da Rosa-Cruz, escrita para todos os Soberanos Eruditos da Europa.

É importante ressaltar que essa primeira publicação continha outros textos como o do autor Trajano Boccalini publicado em 1612 em Veneza que contém inúmeras deblaterações acerca possível panaceia para os males do mundo encerrando a sátira da seguinte forma: “Eles regulamentaram o preço do arenque, do repolho e da abóbora, além de recomendarem que os vendedores ambulantes de ervilhas e cerejas pretas aumentassem suas medidas. Assim, todos ficaram satisfeitos, concluindo que maus hábitos são naturais no homem, e que a maioria dos homens se sentem felizes, não em viver bem, e sim em não viver muito mal”. Oliveira (2009, p. 19) prossegue dizendo que:

A carta de Adam Haselmayer, escrita após este ter lido o manuscrito do Fama Fraternitatis fazia dos rosacruzes os arautos da era do Espírito Santo e considerava que eles eram aqueles que Deus elegera para propagar a eterna verdade divina. Haselmayer anunciava ainda que o ano de 1613 marcaria o fim dos tempos e que o Grande Julgamento ocorreria em 1614, sendo, portanto, na opinião dele, inútil continuar frequentando a Igreja.

Na verdade, a carta de Haselmayer, escrita após este ter lido o manuscrito do Fama Fraternitatis fazia dos rosacruzes os arautos da era do Espírito Santoe considerava que eles eram aqueles que Deus elegera para propagar a eterna verdade divina. É dito que Haselmayer anunciava que o ano de 1613 seria apocalíptico e que o grande Juízo se daria em 1614, razão pelo qual (segundo ele) era desnecessário frequentar a Igreja. Bem, já vimos que por motivos semelhantes, discursos dessa natureza trouxeram não poucos prejuízos, contudo, Adam Hasselmayer não foi para a fogueira.

Como já destacado o Manifesto aparece no início do século XVII, mais exatamente em 1614, momento em que os rosacruzes (num contexto atribulado por questões contextuais já destacadas) quebraram seu silêncio a fim de exigir mais humanismo e espiritualidade.

O Fama Fraternitatis ou Descoberta da Fraternidade da Mais Nobre Ordem da Rosa-Cruz assim se inicia: Considerando que o Único, Misericordioso e Sábio Deus havia derramado com tanta abundância sua misericórdia e bondade sobre o gênero humano, misericórdia e vontade pelas quais alcançamos cada vez mais o conhecimento perfeito de seu Filho Jesus Cristo e da Natureza [...] e que além disso elevou os homens com muita sabedoria, verdadeiramente, temos o direito de pensar que isso poderia renovar e levar todas as Artes (que em nossa época estão maculadas e imperfeitas) à perfeição, de sorte que, finalmente o Homem pudesse através disso compreender sua própria nobreza e sua própria dignidade, compreender a razão pela qual é chamado Microcosmo, e até onde vai seu conhecimento da Natureza.

Ora, desde a mais remota antiguidade os místicos dividiram a criação em dois mundos que os rosacruzes denominaram “macrocosmo” e “microcosmo”. O macrocosmo corresponde ao “grande universo”, ou seja, ao conjunto de astros e sistemas solares que compõem o Cosmo e o microcosmo designando o “pequeno universo” e referindo-se ao próprio ser humano como ser vivo e consciente. Ou seja, o ser humano é ao mesmo tempo um microcosmo material e espiritual do Macrocosmo Divino.

Nessa qualidade ele é um agente das forças cósmicas que trabalham nos planos físico metafísico da criação Universal. Utilizando as faculdades mais elevadas de sua consciência, ele pode agir em um ou outro desses planos e participar na Grande Obra, ou seja, na evolução Cósmica tal como ela acontece no universo, na natureza e no próprio ser humano. Ainda sobre o “microcosmo”, para os rosacruzes todos os períodos da história estão presentes na Harmonia do Mundo e esta harmonia também está presente no ser humano, assim como a árvore está contida em cada semente, assim o ser humano está contido no microcosmo.

Por conseguinte, deixamos para fazer uma correlação de Christian Rosenkreutz e a concepção de “microcosmos” a partir da sua tumba-templo, porém, não sem antes contextualizar para que saibamos a trajetória deste personagem, que a priori, não pode ser confundido com um sujeito histórico. É interessante dizer que a Fama Fraternitatis, ou o chamado da Fraternidade da Rosa-Cruz, descreve a viagem do pai Cristão Rosa-Cruz (C.R.C- o fundador) ao redor do mar Mediterrâneo, bem como o seu retorno a Europa pela Península Ibérica onde faz soar a sua primeira Fama. Contudo, depois de oferecer os seus ensinamentos aos eruditos da Europa, sem sucesso, C.R.C. e mais três irmãos constroem uma “Casa Sancti Spiritus” – isto é, uma casa do Espírito Santo que funcionaria como um portal entre a dimensão física e metafísicaAli é fundada a Ordem Rosacruz, cujo propósito era de uma reforma universal que possibilitasse ao homem uma vida mais plena, liberto dos dogmas religiosos e dos reducionismos científicos, motivo pelo qual apresentavam-se, a si e à sua Fraternidade, através da história simbólica de Christian Rosenkreutz, desde a viagem que o levara pelo mundo inteiro antes de dar vida à Ordem Rosacruz, até a descoberta do seu “túmulo”. O relato da descoberta do túmulo compara a abertura da porta deste à abertura de uma porta para a Europa, quando a parede também for retirada desta. Como destacou Oliveira (2009, p. 25) citando (apud AMORC, 1998, p. 85 e 86)

Na manhã seguinte abrimos a porta e então surgiu à nossa vista uma cripta com sete lados e ângulos, cada lado com cinco pés de comprimento e oito pés de altura; embora o sol não brilhasse nunca nessa cripta, ela estava iluminada por um outro sol que tinha obtido sua luz do Sol e estava situado na parte superior, no centro do teto: no meio, em lugar de uma lápide sepulcral, encontrava-se um altar redondo coberto por uma placa de cobre, na qual estava gravado o seguinte: A.C.R.C. Em vida, desta imagem resumida do Universo fiz meu túmulo. Em volta do primeiro círculo ou da borda, estava escrito: Jesus é tudo para mim. No meio havia quatro figuras dentro dos círculos, em cujas bordas estava o seguinte: 1. Não existe o vazio. 2. O jugo da lei. 3. Liberdade do evangelho. 4. Íntegra é a glória de Deus.

    Como já destacamos anteriormente, mais uma vez o conceito de microcosmo macrocosmo é aqui utilizado, pois compara o túmulo de Christian Rosenkreutz ao Universo. Este túmulo é descrito como sendo um heptágono, enquanto o altar é descrito como sendo um círculo. O heptágono faz referência ao número sete, símbolo do ciclo ideal e da totalidade, enquanto o círculo faz referência ao número nove, símbolo da perfeição.

CONCLUSÃO

    O caminho da transfiguração alquímica aclamada pela Fama visando regenerar os aspectos físicos, mental, emocional e espiritual do nosso ser, tem por finalidade transformar-nos em ouro. Essa é a verdadeira alquimia (espiritual) que visa nos harmonizar com a Alma Universal e nos fazer ascender a planos de consciência mais elevados. Ainda sobre o microcosmo podemos ler:

    A percepção hermética renascentista do ser humano como um microcosmo, resumo e espelho de todo o universo permeia nesta época a filosofia, a medicina, as ciências, as artes e a religião. Segundo este ponto de vista, cada ser humano é um microcosmo e o universo é um grande Ser, um macrocosmo. Esse é o sentido dado às palavras do Criador, no Gênesis, “façamos o Homem à nossa imagem e semelhança” e ao axioma hermético: “o que está em cima é como o que está em baixo”. Quem conhece o seu pequeno universo, conhece igualmente o grande universo. Sob este ponto de vista, o corpo material e os aspetos psicológicos da personalidade são como a ponta de um iceberg, a parte visível de um ser muito mais amplo e profundo. A parte invisível, com as suas estruturas subtis, vitais, astrais e outras, determina a natureza e o estado de cada um, incluindo a saúde corporal e mental, a suscetibilidade a certo tipo de situações da vida, assim como o potencial de regeneração. Várias correntes de prática médica no Renascimento e no início do século XVII, como a de Paracelso, consideravam necessário ter em conta estes aspetos para uma efetiva cura, não só́ dos efeitos e sintomas, mas também das causas. Uma efetiva mudança em sentido libertador, regenerador, só́ poderia ter lugar tendo como base o núcleo perene do ser humano e seus aspetos no microcosmo. (FREITAS, 2019, p. 91)

    Enfim, passados mais de 400 anos, a mensagem clássica dos manifestos rosa- cruzes continuam atual como toda mensagem universal.


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Os Manifestos Rosa-cruzes. Disponível em: <

https://www20.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2015/01/24/noticiasjornalespiritualidade,338218 8/os-manifestos-rosa-cruzes.shtml > Acesso em: 03 jun. 21

A Reforma Protestante é o momento a partir do qual foram gerados os fatos que produziram os Manifestos Rosacruzes. (Wessel, p. 9)

Joaquim de Flora, um monge e teólogo italiano a história do mundo estava dividida em três grandes eras: primeiro a do Pai, período iniciado com Adão; depois a do Filho, iniciada por Jesus Cristo; e, finalmente, a do Espírito Santo, que deveria marcar o fim dos tempos.

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REFERÊNCIAS

FREITAS, Rui M.N.L de. Os Manifestos Rosacruzes. Dissertação de Mestrado. Lisboa 2019. Disponível em: <https://recil.grupolusofona.pt/bitstream/10437/9960/3/Dissertação%20Final%20Rui%20 Lomelino%20de%20Freitas.pdf > Acesso em: 25 jun. 21

OLIVEIRA, V. LINS. Rosacrucianismo: História e imaginário. João Pessoa, 2009. Disponível em: < https://docero.com.br/doc/nnn0nx1> Acesso em: 03 jun. 21

Glossário de Termos e Conceitos da Tradição Rosacruz da Antiga e Mística Ordem Rosacruz/ Coordenação e supervisão de Hélio de Moraes e Marques; organizado por Luiz Eduardo Valiengo Berni; Revisão de Paulo Paranhos. – Curitiba: Grande Loja de Jurisdição de Língua Portuguesa, 2011.

WESSEL, W. Fama Fraternitatis. Disponível em: < https://www.amorc.org.br/wp- content/uploads/2015/05/encarte-fama-fraternitatis.pdf > Acesso em: 26 jun. 21

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